Leia o trecho a seguir, retirado da obra O Guarani (1857), de José de Alencar:
— Quando Ceci acha bonita uma flor, Peri não vai buscar? perguntou o índio.
— Vai, sim.
— Quando Ceci ouve cantar o sofrer, Peri não o vai procurar?
— Que tem isso?
— Pois Ceci desejou ver uma onça, Peri a foi buscar.
Cecília não pôde reprimir um sorriso ouvindo esse silogismo rude, a que a linguagem singela e concisa do índio dava uma certa poesia e originalidade.
Mas estava resolvida a conservar a sua severidade, e ralhar com Peri por causa do susto que lhe havia feito na véspera.
— Isto não é razão, continuou ela; porventura um animal feroz é a mesma coisa que um pássaro, e apanhase como uma flor?
— Tudo é o mesmo, desde que te causa prazer, senhora.
— Mas então, exclamou a menina com um assomo de impaciência, se eu te pedisse aquela nuvem?...
E apontou para os brancos vapores que passavam ainda envolvidos nas sombras pálidas da noite.
— Peri ia buscar.
— A nuvem? perguntou a moça admirada.
— Sim, a nuvem.
Cecília pensou que o índio tinha perdido a cabeça; ele continuou:
— Somente como a nuvem não é da terra e o homem não pode tocá-la, Peri morria e ia pedir ao Senhor do céu a nuvem para dar a Ceci.
Estas palavras foram ditas com a simplicidade com que fala o coração.
A menina que um momento duvidara da razão de Peri, compreendeu toda a sublime abnegação, toda a delicadeza de sentimento dessa alma inculta.
(ALENCAR, José. O Guarani. São Paulo: Ática, 2008.)
O indígena Peri é um emblemático personagem do indianismo brasileiro.
A partir da leitura do trecho acima e dos seus conhecimentos sobre literatura, é correto afirmar que:
Peri é construído a partir da adaptação de características primitivas a um personagem que inicialmente seria civilizado, tendo em vista tratarse de um personagem branco, europeu, mas que foi criado por uma tribo indígena brasileira.
O personagem Peri é construído a partir de características que remetem à honra, à coragem e ao amor incondicional dos cavaleiros medievais da literatura europeia.
O personagem Peri funciona como uma crítica à colonização branca em terras indígenas, tendo em vista que, apesar de sua educação e doçura iniciais, ao final do romance seu lado selvagem vem à tona quando ele, em um arroubo de fúria e ciúmes, mata a sua senhora Ceci.
Peri pode ser caracterizado como um personagem esférico ou redondo, tendo em vista a radical mudança de comportamento e caráter que o personagem sofre ao longo da trama.
O casal Peri e Ceci é um exemplo do erotismo da literatura naturalista brasileira, principalmente pelas cenas em que se relatam seus secretos encontros amorosos.