Leia o trecho a seguir, do conto O peru de Natal, de Mário de Andrade, e responda a questão.
O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai acontecida cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser desprovido de qualquer lirismo, duma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro sangue dos desmancha-prazeres.
Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas proximidades do Natal, eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada almoço, em cada gesto mínimo da família. Uma vez que eu sugerira a mamãe a ideia dela ir ver uma fita no cinema, o que resultou foram lágrimas. Onde se viu ir ao cinema, de luto pesado! A dor já estava sendo cultivada pelas aparências, e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o bom do morto.
(ANDRADE, M. de. O peru de Natal. In: Contos novos. 13. ed. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Villa Rica, 1990. p. 75.)
Assinale a alternativa que estabelece, corretamente, a conexão do trecho do conto com o Modernismo.
A ausência de atritos e choques de valores entre os integrantes da família está em sintonia com o espírito modernista.
A atitude crítica do narrador-personagem, inclusive no que tange ao questionamento do cultivo da dor, está em acordo com a inquietude modernista.
As referências à cultura popular, especialmente no primeiro parágrafo, são marcas modernistas inequívocas.
O apego da família ao significado religioso do Natal constitui forte evidência modernista do texto.
A forma verbal “fôramos”, inequivocadamente coloquial, é típica do Modernismo.