Leia o trecho a seguir.
[...]. Calando-me naquela ocasião, prometi dar-lhe a razão que a senhora exigia; e cumpro o meu propósito mais cedo do que pensava. Trouxe no desejo de agradar-lhe a inspiração; e achei voltando a insônia de recordações que despertara a nossa conversa. Escrevi as páginas que lhe envio, as quais a senhora dará um título e o destino que merecerem. É um perfil de mulher apenas esboçado. Desculpe, se alguma vez a fizer corar sob os seus cabelos brancos, pura e santa coroa de uma virtude que eu respeito. O rubor vexa em face de um homem; mas em face do papel, muda e impassível testemunha, ele deve ser para aquelas que já imolaram à velhice os últimos desejos, uma como essência de gozos extintos, ou extremo perfume que deixam nos espinhos as desfolhadas rosas. De resto, a senhora sabe que não é possível pintar sem que a luz projete claros e escuros. As sombras do meu quadro se esfumam traços carregados, contrastam debuxando o relevo colorido de límpidos contornos.
ALENCAR, José de. Lucíola. 12ª ed., São Paulo: Ática, 1988, p. 5.
Em Lucíola, José de Alencar apresenta um dos melhores retratos da sociedade carioca do século XIX. A protagonista é uma prostituta que, ao final, transforma-se em uma heroína. Para alguns críticos, entretanto, o foco narrativo escolhido limita a possibilidade de representação da obra. Ou seja, o papel do narrador assume preponderância nessa narrativa. Como isso se reconhece dentre as alternativas abaixo?
O narrador em primeira pessoa é a irmã mais nova de Lúcia, com quem a protagonista se reencontra em seu leito de morte. Dessa maneira, os fatos narrados são baseados naquilo que outras pessoas contaram a ela.
O narrador em primeira pessoa limita a representação da obra porque é a subjetividade de uma personagem quem conduz a história, imprimindo o seu ponto de vista. No caso de Lucíola, é Paulo o responsável por tornar pública a história de sua amada.
Nesse caso, em especial, o limite se dá porque o narrador é Couto. Quando Lúcia tinha 14 anos, ele lhe oferece dinheiro em troca de sexo. Ao saber do ocorrido, o pai de Lúcia a expulsa de casa e a joga definitivamente no mundo da prostituição. O leitor percebe que não há uma crítica direta ao ato de Couto, uma vez que ele conduz a história.
Em carta deixada a Paulo, Lúcia narra como se transformou em uma prostituta e agradece a Paulo a chance de recuperar a inocência e a pureza perdidas aos 14 anos de idade. É pelo olhar da protagonista, portanto, que a história é narrada.
O narrador romantiza a história de Lucíola, evita confrontar a sociedade da época e, por isso, busca representar Lúcia como vítima, mas sem acusar diretamente personagens como Couto.