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TEXTO
DISSONÂNCIAS DO PROGRESSO
(1) O que é progresso? Para alguns teóricos, apenas uma palavra que não passa de um slogan, um clichê ou, no máximo, um mito; pode ser também uma crença, jamais um conceito. Para ganhar estatuto de “conceito” universal, o termo apoia-se em outras palavras em busca de legitimidade e, assim, passa de relativo a absoluto: progresso e democracia, progresso e liberdade, progresso e desenvolvimento. Pior: até mesmo ações de caráter belicista recorrem à ideia de guerra como movimento indispensável a um futuro de progresso radioso.
(2) Afinal, o que legitima o progresso hoje? A impressionante herança deixada pelas inúmeras formas do progresso da ciência e da técnica é incontestável: o mundo ganhou, mas também perdeu. Transformação radical das ideias de espaço e tempo, avanços na medicina e na biologia que nos preservam de muitos males – progresso com inegáveis e perenes benefícios para a humanidade –, mas, em contrapartida, um progresso que cria rigor, velocidade, precisão da relação do homem com o meio físico, desaparecimento do vago e do lento, hábitos dominados por métodos positivos governados pelas máquinas, modo científico de existência ao qual “os espíritos se acostumam rapidamente, ainda que insensivelmente”, enquanto as relações do homem com o homem permanecem, como observa o poeta e filósofo Paul Valéry, “dominadas por um empirismo detestável que evidencia até mesmo, em diversos pontos, uma sensível regressão”.
(3) Se a ciência do Iluminismo permitiu o alargamento da percepção do mundo e da vida ao destruir uma quantidade enorme de certezas, em contrapartida, as ideias de progresso, aliadas à racionalidade técnica, destroem uma das grandes invenções da humanidade – a dúvida – ao recriarem e reporem o mito da certeza. O mito do progresso é uma dessas novas certezas. Basta ouvir os discursos de políticos, financistas, tecnocratas e até mesmo de intelectuais ilustrados. No ensaio “O mito moderno do progresso”, Jacques Bouveresse leva-nos a pensar que a ideia de progresso resume dois dos mais terríveis problemas da atualidade, sintetizados por Georg von Wright como o mito da autoridade e o império da fala: “um discurso”, escreve Bouveresse, “que se pode considerar como mais ou menos dispensado da argumentação, que se autolegitima e cujo protótipo é a fala que emana do fundamentalismo religioso ou da ditadura política”.
(4) Em seu pouco conhecido Cahier B, de 1910, Valéry alia a revolução tecnológica à dissolução das tradições comuns e da crença nos mesmos valores com o nascimento das grandes cidades no século XIX: “o civilizado das grandes cidades volta ao estado selvagem, isto é, isolado, porque o mecanismo social lhe permite esquecer a necessidade da comunidade e leva à perda do sentimento de laço entre os indivíduos, antes despertados incessantemente pela necessidade. Todo o aperfeiçoamento da mecânica social torna inúteis atos, maneiras de sentir, aptidões à vida comum”. Esse indivíduo isolado tende a perder as memórias coletivas e os imaginários sociais, abrindo espaço para o que Musil definiu como “egoísmo organizado”. As pulsões egoístas, segundo ele, resultam do progresso material e da desordem social.
(5) Podemos complementar essa ideia de pulsões egoístas com a análise de Engels sobre o homem das grandes cidades em “A situação da classe operária na Inglaterra”, em que se lê que, para realizar os progressos da civilização, os homens sacrificam o melhor de si: “As cem forças que dormem neles permanecem inativas e abafadas para que apenas algumas possam se desenvolver […]. E mesmo sabendo que esse isolamento do indivíduo e seu egoísmo são em todo lugar o princípio fundamental da sociedade atual, em nenhum lugar eles se manifestam com uma impudência, uma segurança tão total quanto aqui, precisamente na multidão da grande cidade. A desagregação da humanidade em mônadas na qual cada uma tem um princípio de vida e um fim particular, esta atomização do mundo é, aqui, levada ao extremo”.
(6) Assim, com as promessas da ciência e da técnica que jamais se realizam (sempre uma espera), o progresso entra em eterno processo, linear e infinito, mas também mecânico e circular, criando as próprias condições de perpetuação. É desse movimento infinito que ele se alimenta: diante de problemas criados pelo progresso, inventa-se uma nova forma de progresso que permite “superar” os problemas criados.
NOVAES, Adauto. Dissonâncias do progresso. Disponível em:< https://diplomatique.org.br/dissonancias-doprogresso/>. Acesso em: 10 out. 2018 (adaptado).
O TEXTO é jornalístico e foi veiculado no Jornal Le Monde diplomatique Brasil. Assinale a alternativa que traz características correspondentes ao seu gênero e à tipologia textual predominante nele.
O TEXTO constitui um artigo de opinião e possui, predominantemente, sequências tipológicas dissertativo-argumentativas, pois o autor mostra seu ponto de vista e utiliza argumentos para fundamentá-lo.
Por ser uma notícia de jornal, o TEXTO possui cunho informativo e é composto, principalmente, por sequências narrativas e descritivas.
Por se tratar de uma reportagem e desenvolver explicações baseadas em citações de filósofos, o TEXTO apresenta sequências tipológicas predominantemente explicativas, com trechos descritivos.
Por se tratar de um artigo de divulgação científica e fazer um levantamento bibliográfico a partir de diversos textos teóricos, o TEXTO é composto, em sua grande parte, por sequências explicativas e narrativas.
Na intenção de persuadir os leitores a refletirem sobre as vantagens e as desvantagens do progresso, percebe-se a predominância do tipo textual injuntivo no TEXTO, que constitui uma espécie de tutorial sobre o assunto.