Leia o texto de Cecília Meireles, para a questão
ROMANCE LIII OU DAS PALAVRAS AÉREAS
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...
A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora...
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...
Detrás de grossas paredes,
de leve, quem vos desfolha?
Pareceis de tênue seda,
sem peso de ação nem de hora...
– e estais no bico das penas,
– e estais na tinta que as molha,
– e estais nas mãos dos juízes,
– e sois o ferro que arrocha,
– e sois barco para o exílio,
– e sois Moçambique e Angola!
Ai, palavras, ai, palavras,
íeis pela estrada afora,
erguendo asas muito incertas,
entre verdade e galhofa,
desejos do tempo inquieto,
promessas que o mundo sopra...
Ai, palavras, ai, palavras,
mirai-vos: que sois, agora?
– Acusações, sentinelas,
bacamarte, algema, escolta;
– o olho ardente da perfídia,
a velar, na noite morta;
– a umidade dos presídios,
– a solidão pavorosa;
– duro ferro de perguntas,
com sangue em cada resposta;
– e a sentença que caminha,
– e a esperança que não volta,
– e o coração que vacila,
– e o castigo que galopa...
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Perdão podíeis ter sido!
– sois madeira que se corta,
– sois vinte degraus de escada,
– sois um pedaço de corda...
– sois povo pelas janelas,
cortejo, bandeiras, tropa...
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Éreis um sopro na aragem...
– sois um homem que se enforca!
MEIRELES, Cecília. Romance LIII ou Das palavras aéreas. In: Romanceiro da Inconfidência. Porto Alegre: L&PM, 2008. p. 142-144.
Analise os seguintes trechos de Romanceiro da Inconfidência, sua relação com o gênero lírico e sua mutação ao longo da história da literatura.
I. Em ROMANCE LIII OU DAS PALAVRAS AÉREAS, parte componente da referida obra, há presença de subjetivismo, o que pode ser atribuído à própria essência do gênero lírico, que é a fusão do eu com a matéria poética, percebido, por exemplo, pelos versos seguintes: “Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência, a vossa!”, em que o termo interjeitivo ‘ai’ denota envolvimento do eu-lírico com o objeto.
II. A presença de um eu-lírico, não-biográfico, permite que haja uma tensão entre o imaginário e a realidade concreta, o que assegura a característica de universo inverossímil e imaginário.
III. As “palavras”, no trecho da referida obra, adquirem dimensão personificada de relato e vaticínio, ou seja, de profetização.
IV. As palavras, no texto, podem, tanto ser utilizadas a serviço da opressão, quanto da liberdade, como no caso de “A liberdade das almas, ai! com letras se elabora...”.
V. As palavras, no texto, assumem posição antitética, característica do conceptismo Árcade, ou seja, tentativa de conciliação de opostos.
VI. A característica da repetição se manifesta no ritmo, no metro, na estrofação ou nos recursos sonoros (correlação direta com a musicalidade) e tem como objetivo reforçar e retomar o ponto de partida, aumentar informações e recuar novamente. Tal recurso estilístico propicia, entre outras consequências, a multiplicidade de sentidos do texto poético, como é o caso da repetição presente em “Ai palavras, ai palavras,/ que estranha potência a vossa.”
VII. No verso “E dos venenos humanos sois a mais fina retorta” há uma inversão frásica que constitui uma figura de retórica conhecida como hipérbato e que tem como finalidade auxiliar o ritmo, o metro ou a rima, no entanto, uma de suas consequências pode ser o obscurecimento da linguagem poética.
VIII. A composição formal presente no texto poético em questão está muito mais próxima da modernidade: a estrofação não obedece a esquemas formais fixos, tais como no soneto.
IX. O poema “Das palavras aéreas” assim como o Romanceiro da Inconfidência, em sua totalidade, pressupõe a fusão de gêneros, no caso, lírico e narrativo.
X. O meios sonoros da língua, que se traduzem em musicalidade no poema, constituem recursos inerentes ao gênero lírico, desde a sua mais remota aparição, inclusive o próprio nome do gênero vem dessa característica.
A diferença entre a soma dos números das afirmações corretas e incorretas é
41.
42.
43.
44.
45.