EsPCEx 2010

Leia o texto abaixo e responda à questão, referente à Gramática e Interpretação de Texto.

 

O Outro Marido

 

  Era conferente da Alfândega – mas isso não tem importância. Somos todos alguma coisa fora
de nós; o eu irredutível nada tem a ver com as classificações profissionais. Pouco importa que nos
avaliem pela casca. Por dentro, sentia-se diferente, capaz de mudar sempre, enquanto a situação
exterior e familiar não mudava. Nisso está o espinho do homem: ele muda, os outros não percebem.
[5]   Sua mulher não tinha percebido. Era a mesma de há 23 anos, quando se casaram (quanto ao
íntimo, é claro). Por falta de filhos, os dois viveram demasiado perto um do outro, sem derivativo. Tão
perto que se desconheciam mutuamente, como um objeto desconhece outro, na mesma prateleira de
armário. Santos doía-se de ser um objeto aos olhos de Dona Laurinha. Se ela também era um objeto
aos olhos dele? Sim, mas com a diferença de que Dona Laurinha não procurava fugir a essa simplifica-

[10] ção, nem reparava; era de fato, objeto. Ele, Santos, sentia-se vivo e desagradado.
  Ao aparecerem nele as primeiras dores, Dona Laurinha penalizou-se, mas esse interesse não
beneficiou as relações do casal. Santos parecia comprazer-se em estar doente. Não propriamente
em queixar-se, mas em alegar que ia mal. A doença era para ele ocupação, emprego suplementar. O
médico da Alfândega dissera-lhe que certas formas reumáticas levam anos para ser dominadas,
[15] exigem adaptação e disciplina. Santos começou a cuidar do corpo como de uma planta delicada. E
mostrou a Dona Laurinha a nevoenta radiografia da coluna vertebral com certo orgulho de estar
assim tão afetado.
  – Quando você ficar bom...
  – Não vou ficar. Tenho doença para o resto da vida.
[20]   Para Dona Laurinha, a melhor maneira de curar-se é tomar remédio e entregar o caso à alma de
Padre Eustáquio, que vela por nós. Começou a fatigar-se com a importância que o reumatismo
assumira na vida do marido. E não se amolou muito quando ele anunciou que ia internar-se no
hospital Gaffré e Guinle.
  – Você não sentirá falta de nada – assegurou-lhe Santos. – Tirei licença com ordenado integral.
[25] Eu mesmo virei aqui todo começo de mês trazer o dinheiro. Hospital não é prisão.
  – Vou visitar você todo domingo, quer?
  – É melhor não ir. Eu descanso, você descansa, cada qual no seu canto.
Ela também achou melhor, e nunca foi lá. Pontualmente, Santos trazia-lhe o dinheiro da despe-

sa, ficaram até um pouco amigos nessa breve conversa a longos intervalos. Ele chegava e saía
[30] curvado, sob a garra do reumatismo que nem melhorava nem matava. A visita não era de todo
desagradável, desde que a doença deixara de ser assunto. Ela notou como a vida de hospital pode
ser distraída: os internados sabem de tudo cá de fora.
  – Pelo rádio – explicou Santos.
Um dia, ela se sentiu tão nova, apesar do tempo e das separações fundamentais, que imaginou
[35] uma alteração: por que ele não ficava até o dia seguinte, só essa vez?
  – É tarde – respondeu Santos. E ela não entendeu se ele se referia à hora ou a toda a vida
passada sem compreensão. É certo que vagamente o compreendia agora, e recebia dele mais que a
mesada: uma hora de companhia por mês.
  Santos veio um ano, dois, cinco. Certo dia não veio. Dona Laurinha preocupou-se. Não só lhe
[40] faziam falta os cruzeiros; ele também fazia. Tomou o ônibus, foi ao hospital pela primeira vez, em
alvoroço. Lá ele não era conhecido. Na Alfândega informaram-lhe que Santos falecera havia quinze
dias, a senhora quer o endereço da viúva?

  – Sou eu a viúva – disse Dona Laurinha, espantada.
  O informante olhou-a com incredulidade. Conhecia muito bem a viúva do Santos, Dona Crisália,
[45] fizera bons piqueniques com o casal na Ilha do Governador. Santos fora seu parceiro de bilhar e de
pescaria. Grande praça. Ele era padrinho do filho mais velho de Santos. Deixara três órfãos, coitado.
  E tirou da carteira uma foto, um grupo de praia. Lá estavam Santos, muito lépido, sorrindo, a
outra mulher, os três garotos. Não havia dúvida: era ele mesmo, seu marido. Contudo, a outra
realidade de Santos era tão destacada da sua, que o tornava outro homem, completamente desco-

[50] nhecido, irreconhecível.
  – Desculpe, foi engano. A pessoa a que me refiro não é esta – disse Dona Laurinha, despedin-

do-se.
(Carlos Drummond de Andrade)

Considere as palavras destacadas no período a seguir:

 

“Começou a fatigar-se com a importância que o reumatismo assumira na vida do marido. E não se amolou muito quando ele anunciou que ia internar-se no hospital Gaffré e Guinle...” (linha 21)

 

Elas introduzem, respectivamente, orações

a

subordinada adjetiva restritiva e subordinada substantiva objetiva direta. 

b

subordinada adjetiva explicativa e subordinada substantiva subjetiva. 

c

subordinada adverbial causal e subordinada adjetiva explicativa. 

d

subordinada substantiva subjetiva e subordinada adverbial consecutiva. 

e

subordinada adjetiva restritiva e subordinada substantiva completiva nominal.

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