Unilago 2018/1

Leia o texto a seguir, que contém trechos do conto “Noite de almirante”, e responda à questão.

 

Deolindo Venta-Grande (era uma alcunha de bordo) saiu do Arsenal de Marinha e enfiou pela Rua de
Bragança. Batiam três horas da tarde. Era a fina flor dos marujos e, de mais, levava um grande ar de
felicidade nos olhos. A corveta dele voltou de uma longa viagem de instrução, e Deolindo veio a terra
tão depressa alcançou licença. Os companheiros disseram-lhe, rindo:
[5] – Ah! Venta-Grande! Que noite de almirante vai você passar! ceia, viola e os braços de Genoveva.
Colozinho de Genoveva...
Deolindo sorriu. Era assim mesmo, uma noite de almirante, como eles dizem, uma dessas grandes
noites de almirante que o esperava em terra. Começara a paixão três meses antes de sair a corveta.
Chamava-se Genoveva, caboclinha de vinte anos, esperta, olho negro e atrevido. Encontraram-se em
[10] casa de terceiro e ficaram morrendo um pelo outro, a tal ponto que estiveram prestes a dar uma cabe

çada, ele deixaria o serviço e ela o acompanharia para a vila mais recôndita do interior.
A velha Inácia, que morava com ela, dissuadiu-os disso; Deolindo não teve remédio senão seguir em
viagem de instrução. Eram oito ou dez meses de ausência. Como fiança recíproca, entenderam dever
fazer um juramento de fidelidade.
[15]  [...]
Estava celebrado o contrato. Não havia descrer da sinceridade de ambos; ela chorava doidamente, ele
mordia o beiço para dissimular. Afinal, separaram-se, Genoveva foi ver sair a corveta e voltou para casa
com um tal aperto no coração que parecia que “lhe ia dar uma coisa”. Não lhe deu nada, felizmente;
os dias foram passando, as semanas, os meses, dez meses, ao cabo dos quais, a corveta tornou e
[20] Deolindo com ela.
[...]
– Não me fale nessa maluca, arremeteu a velha. Estou bem satisfeita com o conselho que lhe dei. Olhe
lá se fugisse. Estava agora como o lindo amor.
– Mas que foi? que foi?
[25] A velha disse-lhe que descansasse, que não era nada, uma dessas cousas que aparecem na vida; não
valia a pena zangar-se. Genoveva andava com a cabeça virada...

– Está com um mascate, José Diogo. Conheceu José Diogo, mascate de fazendas? Está com ele. Não
imagina a paixão que eles têm um pelo outro. Ela então anda maluca.
[...]
[30] Deolindo não quis ouvir mais nada. A velha Inácia, um tanto arrependida, ainda lhe deu avisos de
prudência, mas ele não os escutou e foi andando. Deixo de notar o que pensou em todo o caminho;
não pensou nada. As ideias marinhavam-lhe no cérebro, como em hora de temporal, no meio de uma
confusão de ventos e apitos. Entre elas, rutilou a faca de bordo, ensanguentada e vingadora.
[...]
[35] – Pode crer que pensei muito e muito em você. Sinhá Inácia que lhe diga se não chorei muito... Mas o
coração mudou... Mudou... Conto-lhe tudo isto, como se estivesse diante do padre, concluiu sorrindo.
Não sorria de escárnio. A expressão das palavras é que era uma mescla de candura e cinismo, de
insolência e simplicidade, que desisto de definir melhor. Creio até que insolência e cinismo são mal
aplicados. Genoveva não se defendia de um erro ou de um perjúrio; não se defendia de nada...
[40] [...]
Deolindo seguiu praia fora, cabisbaixo e lento, não já o rapaz impetuoso da tarde, mas com um ar velho
e triste (...). Genoveva entrou logo depois, alegre e barulhenta. [...]
– Muito bom rapaz, insistiu Genoveva. Sabe o que ele me disse agora?
– Que foi?
[45] – Que vai matar-se.
– Jesus!
 – Qual o quê! Não se mata, não. Deolindo é assim mesmo; diz as coisas, mas não faz.
[...]
A verdade é que o marinheiro não se matou. No dia seguinte, alguns dos companheiros bateram-lhe no
[50] ombro, cumprimentando-o pela noite de almirante, e pediram-lhe notícias de Genoveva, se estava mais
bonita, se chorara muito na ausência, etc. Ele respondia a tudo com um sorriso satisfeito e discreto, um
sorriso de pessoa que viveu uma grande noite. Parece que teve vergonha da realidade e preferiu mentir.

(ASSIS, M. de. Contos consagrados. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d. p. 75-81.)

Quanto à composição de personagens, assinale a alternativa correta.

a

A imagem da “faca de bordo ensanguentada e vingadora” (linha 33) assim que Deolindo toma conhecimento do rumo de Genoveva é superada pela frase da antiga amante e pelo comportamento do marinheiro junto aos companheiros ao final do conto.

b

A caracterização de Genoveva contida em “esperta, olho negro e atrevido” (linha 9) antecipa o desequilíbrio emocional com que a personagem administra as cobranças de Deolindo após a viagem, para explicar o vínculo com o novo amante.

c

A frase “Não lhe deu nada, felizmente” (linha 18) já revela a compaixão do narrador pelos sentimentos de Genoveva por Deolindo, o que reforça a condição de fragilidade da moça quando expõe os argumentos para justificar sua aproximação do mascate.

d

O “ar de felicidade” (linhas 2 e 3) de Deolindo e o “ar velho e triste” (linhas 41 e 42), com que ele retorna da casa de Genoveva, contrastam com a imagem predominante da galeria de personagens realistas e machadianos marcada pelo fluxo dos instintos.

e

O sorriso “discreto” (linha 51) de Deolindo em seu retorno à corveta deixa transparecer para os colegas que a noite de almirante com Genoveva havia sido um fracasso e que o marinheiro era um mentiroso.

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A
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