FPP Verão Medicina 2018

Leia o seguinte fragmento do poema “A flor e a náusea”, do livro A rosa do povo, de 1945, de Carlos Drummond de Andrade.

 

Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias espreitam-me.

Devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me?

 

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.

ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 14.

 

Agora, leia o soneto “Fraga e sombra”, do livro Claro enigma, de 1951, do mesmo autor.

 

A sombra azul da tarde nos confrange.

Baixa, severa, a luz crepuscular.

Um sino toca, e não saber quem tange

é como se este som nascesse do ar.

 

Música breve, noite longa. O alfanje

que sono e sonho ceifa devagar

mal se desenha, fino, ante a falange

das nuvens esquecidas de passar.

 

Os dois apenas, entre céu e terra,

sentimos o espetáculo do mundo,

feito de mar ausente e abstrata serra.

 

E calcamos em nós, sob o profundo

instinto de existir, outra mais pura

vontade de anular a criatura.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 47.

Com base nesses poemas, considere as seguintes assertivas a respeito do livro Claro enigma.

 

I. No segundo poema, representativo da linha poética assumida por Claro enigma, percebe-se que o poeta, ao escolher uma forma fixa, o soneto, e segui-la rigorosamente, renega os princípios do Modernismo que pautaram seus primeiros livros e ainda pautava A rosa do povo.

II. Os poemas em geral de Claro enigma, e esse em particular, revelam um certo influxo da Geração de 45, mais formal e afeita às formas fixas, sobre a poesia de Drummond.

III. O soneto é o único poema em forma fixa que não foi afetado pelos ataques dos modernistas, passando relativamente incólume pelas fases do Modernismo, como “Fraga e sombra” o demonstra.

IV. Ao contrário de A rosa do povo, livro mais colado aos acontecimentos e de viés engajado, Claro enigma é um livro cujos poemas mergulham mais profundamente em questões metafísicas e atemporais; os poemas anteriores exemplificam essa guinada.

V. Se no primeiro poema há uma “náusea” em relação ao tempo (“o relógio da torre”), no segundo esse “confrangimento” se manifesta em relação a coisas mais concretas (“a luz crepuscular. Um sino que toca”, o mar, a serra etc.).

 

Está CORRETO somente o que é afirmado em

a

I e III.

b

II e V.

c

II e IV.

d

I e V.

e

II, III e IV.

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Resposta
C
Tempo médio
4 min

Resolução

Nesta questão, são comparados dois poemas de Carlos Drummond de Andrade, um extraído de A rosa do povo (1945) e outro de Claro enigma (1951). O objetivo é verificar afirmações sobre o livro Claro enigma e, de modo geral, sobre a evolução poética de Drummond. Para chegar à alternativa correta (letra C), vejamos cada assertiva:

I. “No segundo poema, representativo da linha poética de Claro enigma, o poeta, ao escolher uma forma fixa (soneto), renega os princípios modernistas”.

Essa afirmação é falsa porque escolher uma forma fixa não significa renegar as bases modernistas por completo. Drummond não “abandona” o modernismo; ele o reformula e enriquece, acrescentando traços da chamada “Geração de 45” (como o questionamento metalinguístico e o rigor formal). Portanto, dizer que ele renega os princípios modernistas é um exagero.

II. “Os poemas de Claro enigma revelam certo influxo da Geração de 45, afeita a formas fixas, sobre a poesia de Drummond”.

Essa afirmação é verdadeira. O livro Claro enigma marca um momento de maior introspecção e formalismo na obra de Drummond, o que se aproxima do rigor estético da Geração de 45, mesmo que ele mantenha sua própria identidade poética.

III. “O soneto é o único poema em forma fixa que não foi atacado pelos modernistas, passando incólume pelas fases do Modernismo”.

Essa afirmação é falsa. O movimento modernista brasileiro, sobretudo na fase inicial (1922), teceu diversas críticas às formas fixas, inclusive sonetos, embora alguns modernistas também compusessem sonetos. Não existe forma fixa “intocada” pelas críticas modernistas.

IV. “Claro enigma é um livro cujos poemas mergulham em questões metafísicas e atemporais, diferente de A rosa do povo, de viés mais engajado e colado aos acontecimentos”.

Essa afirmação é verdadeira. A rosa do povo tem forte temática social e engajada (contexto da Segunda Guerra Mundial, por exemplo), enquanto Claro enigma se caracteriza por reflexões filosóficas, metafísicas e pela forma mais disciplinada.

V. “No primeiro poema há ‘náusea’ em relação ao tempo; no segundo, o ‘confrangimento’ se revela em elementos mais concretos”.

Embora o segundo poema mencione imagens mais concretas (a luz crepuscular, o sino, etc.), seu foco é altamente subjetivo, introspectivo e metafísico. Não se trata apenas de um ‘confrangimento’ com elementos concretos, mas de um mal-estar existencial e reflexivo. Essa descrição torna a afirmação imprecisa e, por isso, considerada falsa dentro do contexto.

Portanto, estão corretas somente as afirmações II e IV, o que corresponde à alternativa (C).

Dicas

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Observe as principais características de A rosa do povo e instigue o contraste com Claro enigma.
Verifique se o uso de forma fixa (soneto) elimina a base modernista ou apenas a reinterpreta.
Preste atenção ao tema mais engajado versus o tema mais introspectivo metafísico em cada livro.

Erros Comuns

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Supor que Drummond abandona por completo o modernismo apenas por usar sonetos em Claro enigma.
Achar que a Geração de 45 seja uma ruptura radical com o Modernismo, e não uma de suas vertentes.
Pressupor que o poema “Fraga e sombra” se restringe apenas a elementos concretos quando, na verdade, trata de questões existenciais.
Revisão

Modernismo e Geração de 45
Os modernistas brasileiros, em sua primeira fase (iniciada em 1922), defendiam a liberdade formal e a ruptura com as convenções passadas, incluindo as formas fixas como o soneto. Contudo, a própria poesia modernista foi evoluindo, e vários escritores adotaram novas buscas formais ou até mesclaram influências posteriores. Já a chamada Geração de 45, embora apresente continuidade do modernismo, dá ênfase ao rigor formal, à disciplina métrica e a um tom mais contemplativo e introspectivo.

A rosa do povo (1945) e Claro enigma (1951)
Enquanto A rosa do povo enfatiza temas sociais e o engajamento do poeta frente à realidade histórica da época (Segunda Guerra Mundial, contexto político etc.), Claro enigma retoma questões metafísicas e existenciais, com predominância de tons filosóficos e forma mais clássica.

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