Leia o poema Psicologia de um vencido, de Augusto dos Anjos.
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(Augusto dos Anjos. Toda poesia, 2011.)
Esse poema evidencia um aspecto constante na obra de Augusto dos Anjos:
a atitude otimista que se sobrepõe aos revezes da existência humana.
a entrega total à religiosidade que ameniza o sofrimento do eu lírico.
a transposição de termos científicos para o campo da produção poética.
a oposição a formas literárias ultrapassadas, como o soneto e a ode.
a linguagem contida e serena desprovida de angústia e de intensidade.