Leia o poema “Morte do leiteiro” de Carlos Drummond de Andrade e responda à questão.
MORTE DO LEITEIRO
A Cyro Novaes
[1] Há pouco leite no país,
[2] é preciso entregá-lo cedo.
[3] Há muita sede no país,
[4] é preciso entregá-lo cedo.
[5] Há no país uma legenda,
[6] que ladrão se mata com tiro.
[7] Então o moço que é leiteiro
[8] de madrugada com sua lata
[9] sai correndo e distribuindo
[10] leite bom para gente ruim.
[11] Sua lata, suas garrafas,
[12] e seus sapatos de borracha
[13] vão dizendo aos homens no sono
[14] que alguém acordou cedinho
[15] e veio do último subúrbio
[16] trazer o leite mais frio
[17] e mais alvo da melhor vaca
[18] para todos criarem força
[19] na luta brava da cidade.
[20] Na mão a garrafa branca
[21] não tem tempo de dizer
[22] as coisas que lhe atribuo
[23] nem o moço leiteiro ignaro,
[24] morador na Rua Namur,
[25] empregado no entreposto,
[26] com 21 anos de idade,
[27] sabe lá o que seja impulso
[28] de humana compreensão.
[29] E já que tem pressa, o corpo
[30] vai deixando à beira das casas
[31] uma apenas mercadoria.
[32] E como a porta dos fundos
[33] também escondesse gente
[34] que aspira ao pouco de leite
[35] disponível em nosso tempo,
[36] avancemos por esse beco,
[37] peguemos o corredor,
[38] depositemos o litro...
[39] Sem fazer barulho, é claro,
[40] que barulho nada resolve.
[41] Meu leiteiro tão sutil
[42] de passo maneiro e leve,
[43] antes desliza que marcha.
[44] É certo que algum rumor
[45] sempre se faz: passo errado,
[46] vaso de flor no caminho,
[47] cão latindo por princípio,
[48] ou gato quizilento.
[49] E há sempre um senhor que acorda,
[50] resmunga e torna a dormir.
[51] Mas este acordou em pânico
[52] (ladrões infestam o bairro),
[53] não quis saber de mais nada.
[54] O revólver da gaveta
[55] saltou para sua mão.
[56] Ladrão? se pega com tiro.
[57] Os tiros na madrugada
[58] liquidaram meu leiteiro.
[59] Se era noivo, se era virgem,
[60] se era alegre, se era bom,
[61] não sei,
[62] é tarde para saber.
[63] Mas o homem perdeu o sono
[64] de todo, e foge pra rua.
[65] Meu Deus, matei um inocente.
[66] Bala que mata gatuno
[67] também serve pra furtar
[68] a vida de nosso irmão.
[69] Quem quiser que chame o médico,
[70] polícia não bota a mão
[71] neste filho de meu pai.
[72] Está salva a propriedade.
[73] A noite geral prossegue,
[74] a manhã custa a chegar,
[75] mas o leiteiro
[76] estatelado, ao relento,
[77] perdeu a pressa que tinha.
[78] Da garrafa estilhaçada,
[79] no ladrilho já sereno
[80] escorre uma coisa espessa
[81] que é leite, sangue... não sei.
[82] Por entre objetos confusos,
[83] mal redimidos da noite,
[84] duas cores se procuram,
[85] suavemente se tocam,
[86] amorosamente se enlaçam,
[87] formando um terceiro tom
[88] a que chamamos aurora.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova Reunião: 23 livros de poesia – volume I. 6ª ed. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2013. p. 203-206.
A partir das conjugações verbais “avancemos”, “peguemos” e “depositemos” (versos 36 a 38), marque a resposta CORRETA.
A conjugação dos verbos no modo indicativo manifesta, de maneira convincente, a sucessão dos fatos narrados.
O uso dos verbos acima, conjugados no pretérito perfeito do modo indicativo, representa ações concluídas no passado.
Os verbos foram conjugados no pretérito imperfeito do modo subjuntivo e revelam uma ideia de condição.
Os verbos “avançar” e “pegar” foram conjugados no modo subjuntivo, e o verbo “depositar” no modo indicativo.
A conjugação dos verbos no modo subjuntivo exprime o desejo de ações que estão por realizar-se.