Leia o poema de Manuel Bandeira para responder à questão.
Evocação do Recife
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
– Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
(...)
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
(Manuel Bandeira. Poesia completa e prosa, 1993. Adaptado)
O eu lírico afirma que “A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros / Vinha da boca do povo na língua errada do povo / Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil”.
Nessa perspectiva do eu lírico, um exemplo dessa fala gostosa do português é:
Vós bem sabeis que o não dissemos por temer que vossa ira recaísse sobre nós.
Atônita, correu pelo saguão à procura de um eventual cavalheiro que ali não havia.
Encontrá-la-íamos com certeza nas areias da praia de Ipanema naquela manhã de sol.
Nas ocasiões de aparato é que se podia tomar o pulso ao homem.
Me divirto vendo as crianças em dia de chuva, a chuva molha elas e está tudo bem.
A questão pede para identificar, entre as alternativas, um exemplo da "fala gostosa do português do Brasil" mencionada pelo eu lírico no poema "Evocação do Recife" de Manuel Bandeira.
1. Interpretação do Poema: O eu lírico expressa nostalgia por sua infância no Recife, valorizando as experiências vividas e a linguagem popular. Ele contrapõe essa vivência e linguagem autêntica ("Recife sem história nem literatura", "Recife da minha infância") a outras visões mais formais ou históricas da cidade ("Veneza americana", "Mauritsstad", "Recife dos Mascates", "Recife das revoluções libertárias").
2. A Visão sobre a Linguagem: Nos versos destacados ("A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros / Vinha da boca do povo na língua errada do povo / Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil / Ao passo que nós / O que fazemos / É macaquear / A sintaxe lusíada"), o eu lírico critica a norma culta, formal, associada à escrita e à tradição lusitana ("sintaxe lusíada"), considerando-a artificial ("macaquear"). Em contraste, ele exalta a fala popular, mesmo que considerada "errada" pela gramática normativa, como a forma "certa" e "gostosa" de falar o português do Brasil. Essa fala "gostosa" refere-se, portanto, ao português coloquial, espontâneo, com suas características próprias, que muitas vezes se afastam da norma padrão.
3. Análise das Alternativas:
Conclusão: A alternativa E é a única que apresenta traços gramaticais e lexicais característicos da fala coloquial brasileira, alinhando-se à valorização da linguagem popular expressa pelo eu lírico no poema de Manuel Bandeira.
1. Variação Linguística: A língua não é homogênea. Ela varia de acordo com fatores geográficos, sociais, históricos e situacionais. Distinguimos principalmente a norma culta (ou padrão), associada à escrita formal, à gramática normativa e aos grupos de maior prestígio social, e as variedades não padrão (ou coloquiais/populares), características da fala cotidiana e de diferentes grupos sociais. O poema aborda essa tensão entre a norma culta ("sintaxe lusíada") e a variedade popular ("língua errada do povo", "língua certa do povo").
2. Modernismo Brasileiro (1ª Fase): Manuel Bandeira é um dos grandes nomes do Modernismo brasileiro. Uma das características marcantes da primeira fase modernista (1922-1930) foi a busca por uma identidade nacional e a valorização da cultura brasileira, incluindo a linguagem coloquial e as "falas" regionais, em oposição ao academicismo e ao formalismo herdados do Parnasianismo e da tradição portuguesa.
3. Marcas da Oralidade/Coloquialismo no Português Brasileiro: Algumas características comuns na fala que diferem da norma culta escrita incluem: colocação pronominal (próclise mais frequente, inclusive no início de frases), uso de pronomes retos como objetos, simplificação de concordâncias, léxico informal, entre outras.