Leia o poema de João Cabral de Melo Neto.
A Educação pela Pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
(João Cabral de Melo Neto, Poesias Completas)
Massaud Moisés, em A literatura brasileira através dos textos (2004), afirma que há na poesia de João Cabral de Melo Neto uma ideia geral de despoetização do poema.
Essa afirmação se justifica com o poema lido na medida em que nele se identifica
o exercício lúdico com as palavras, tal como expresso no verso “(de dentro para fora, e pré-didática)”.
a visão idílica do mundo, tal como expresso no verso “No Sertão a pedra não sabe lecionar”.
a contenção sentimental, tal como expresso no verso “captar sua voz inenfática, impessoal.”
a contestação do fazer poético, tal como expresso no verso “a de poética, sua carnadura concreta”.
a representação poética pelo viés do espiritualismo, tal como expresso no verso “uma pedra de nascença, entranha a alma”.