Leia o poema de Augusto dos Anjos para responder à questão.
Versos íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera1.
Somente a Ingratidão − esta pantera −
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
(Eu e outras poesias, 2011.)
1quimera: fantasia, utopia.
Entre os recursos estilísticos frequentes na poesia de Augusto dos Anjos, está presente no poema:
a combinação entre o rigor métrico e a utilização de termos cotidianos, à época incomuns ao texto poético, como “cigarro” e “escarra”.
a utilização de verbos na segunda pessoa, o que formaliza uma interação entre o eu lírico e a pessoa por ele amada.
a abordagem científica, como no verso “O beijo, amigo, é a véspera do escarro”, que inibe qualquer manifestação subjetiva do eu lírico.
a importância dada ao amor idealizado, reforçada pela utilização dos rigores da poesia Clássica, como a forma do soneto.
a liberdade formal e temática, que se manifesta na ausência de rimas e na utilização de vocábulos inusitados para os padrões da época.