Leia o poema a seguir.
SONETO
Ao sol do meio-dia eu vi dormindo
Na calçada da rua um marinheiro,
Roncava a todo o pano o tal brejeiro
Do vinho nos vapores se expandindo!
Além um Espanhol eu vi sorrindo
Saboreando um cigarro feiticeiro,
Enchia de fumaça o quarto inteiro.
Parecia de gosto se esvaindo!
Mais longe estava um pobretão careca
De uma esquina lodosa no retiro
Enlevado tocando uma rabeca!
Venturosa indolência! não deliro
Se morro de preguiça... o mais é seca!
Desta vida o que mais vale um suspiro?
AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos. São Paulo: FTD, 1994. p. 183.
Exemplar da segunda parte de Lira dos vinte anos, o poema transcrito encarna o lado Caliban do poeta, que se manifesta ao empregar a ironia como recurso para expressar
uma distinção da imagem do artista, presente nos versos “De uma esquina lodosa no retiro / Enlevado tocando uma rabeca!”.
uma visão pejorativa do homem, que se evidencia nos vocábulos do verso “Mais longe estava um pobretão careca”.
um rebaixamento da condição humana, o que se confirma na descrição depreciativa dos espaços, na terceira estrofe.
uma perspectiva escandalizada da sociedade, comprovada pela representação depravada dos sujeitos, na primeira estrofe.
um deboche da moralidade, visível nos versos “Venturosa indolência! não deliro / Se morro de preguiça... o mais é seca!”.