UFRR 2013

Leia o fragmento de texto, “O gosto amargo da vida” retirado da obra “O Quinze” de Raquel de Queiroz. “Eram duas da tarde”. Cordulina, que vinha quase cambaleando, sentou numa pedra e falou, num voz quebrada e penosa: - Chico, eu não posso mais… Acho até que vou morrer. Dá-me aquela zoeira na cabeça! Chico Bento olhou dolorosamente a mulher. O cabelo em falripas sujas, como que gasto,  acabado, caía, por cima do rosto, envesgando osolhos, roçando na boca. A pele, empretecida como uma casca, pregueava nos braços e nos peitos, que o casaco e a camisa rasgada descobriam. (...) Num súbito contraste, a memória do vaqueiro confusamente começou a recordar Cordulina do tempo do casamento. Viu-a de branco, gorda e alegre com um ramo de cravos no cabelo oleado e argolas de ouro nas orelhas... Depois sua pobre cabeça dolorida entrou a tresvariar; a vista turvou-se como as ideias;confundiu as duas imagens, a real e a evocada, e seus olhos visionaram uma Cordulina fantástica, magra como a morte, coberta de grandes panos brancos, pendendo-lhes das orelhas duas argolas de ouro, que cresciam, cresciam, até atingir o tamanho do sol. No colo da mulher, o Duquinha, também só osso e pele, levava, com um gemido abafado, a mãozinha imunda, de dedos ressequidos, aos pobres olhos doentes. Lentamente, o vaqueiro voltou as costas; cabisbaixo, o Pedro o seguiu. E foram andando à toa, devagarinho costeando a margem da caatinga. (…) De repente, um bé, agudo e longo, estridulou na calma. E uma cabra ruiva, nambi, de focinho quase preto, estendeu a cabeça por entre a orla de galhos secos do caminho, aguçando os rudimentos da orelha, evidentemente, procurando ouvir, naquela distensão de sentido, uma longínqua resposta a seu apelo. Chico Bento, perto, olhava-a com as mãos trêmulas, a garganta áspera, olhos afogueados. O animal soltou, novamente seu clamor, aflito. Cauteloso, o vaqueiro avançou um passo. E de súbito em três pancadas secas, rápidas, o seu cacete de jucá zuniu: a cabra entonteceu, amunhecou, e caiu em cheio por terra. Chico Bento tirou o cinto da faca, que de tão velha e tão gasta nunca achara quem lhe desse um tostão por ela. (...) Rapidamente, iniciou a esfolação. A faca afiada corria entre a carne e o couro, e na pressa, arrancava aqui pedaços de lombo, afinava ali a pele, deixando-o quase transparente. Mas, Chico Bento cortava, cortava sempre, com um movimento febril de mãos, enquanto o Pedro, comovido e ansioso, ia segurando o couro  descarnado.Afinal, toda pele destacada estirou-se no chão.E o vaqueiro, batendo com a cacete no cabo da faca, abriu ao meio a criação morta. Mas Pedro, que fitava a estrada, o interrompeu: - Olha, pai Um homem de mescla azul vinha para eles em grandes passadas. Agitava os braços com fúria aos berros: - Cachorro! - Ladrão! Matar minha cabrinha! - Desgraçado! Chico Bento, tonto, desnorteado, deixou a faca cair e, ainda de cócoras, tartamudeava explicações confusas. O homem avançou, arrebatou-lhe a cabra e procurou enrolá-la no couro. Dentro de sua perturbação, Chico Bento compreendeu apenas que lhe tomavam aquela carne em que seus olhos famintos já se regalavam, da qual suas mãos febris já tinham sentido o calor confortante. E lhe veio agudamente à lembrança Cordulina exânime na pedra da estrada...O Duquinha tão morto que já nem chorava... Caindo quase de joelhos, com os olhos vermelhos cheios de lágrimas que lhe corriam pela face áspera, suplicou, de mãos juntas: - Meu senhor, pelo amor de Deus! Me deixe um pedaço de carne, um taquinho ao menos, que dê um caldo para a mulher mais os meninos! Foi pra eles que eu matei! Já caíram com a fome!... - Não dou nada! Ladrão! Sem-vergonha! Cabra sem-vergonha! A energia abatida do vaqueiro não se estimulou nem mesmo diante daquela palavra. Antes se abateu mais, e ele ficou na mesma atitude de súplica. E o homem disse afinal, num gesto brusco, arrancando as tripas da criação e atirando-as para o vaqueiro: - Tome! Só se for isto! A um diabo que faz uma desgraça como você fez, dar-se tripas é até demais! (...) O homem, sem se importar com os sangue, pusera, no ombro, o animal sumariamente envolvido no couro e marchava para a casa cujo telhado vermelhava, lá além. Pedro, sem perder tempo, apanhou o fato que ficara no chão e correu para a mãe. Chico Bentoainda esteve uns momentos na mesma postura, ajoelhado. E antes de se erguer, chupou os dedos sujos de sangue, que lhe deixaram na boca um gosto amargo da vida.

Analise as proposições a seguir:

I. o título da obra em que está inserido o texto “O gosto amargo da vida”, refere-se à seca de 1915, vivida pela autora em sua infância;

II. o tema deste romance é a seca, enfocando a dimensão social, sem deixar de lado a  análise psicológica de algumas personagens;

III. a marcha penosa e trágica de Chico Bento,  que representa o retirante, constitui o núcleo dramático da obra;

IV. apesar de ser um romance social, de denúncia, é interessante notar que não situa a má distribuição das propriedades como problema maior do Nordeste, e sim, o drama da seca.

Estão corretas:
a
todas, exceto IV;
b
I – II - III - IV;
c
apenas I – II – IV;
d
apenas I – III - IV;
e
I – II – IV.
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Resposta
B
Resolução
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