UNITINS 2021/2

Leia fragmentos do texto de Ailton Krenac para responder as questões 33 e 34.

 

O Amanhã não está à venda

 

Autor: Ailton Krenak (Texto escrito em 09 de out. 2020)

 

    Parei de andar mundo afora, cancelei compromissos. Estou com a minha família na aldeia Krenak, no médio rio Doce (MG). Há quase um mês, nossa reserva indígena está isolada. Quem estava ausente regressou, e sabemos bem qual é o risco de receber pessoas de fora. Sabemos o perigo de ter contato com pessoas assintomáticas. Estamos todos aqui e até agora não tivemos nenhuma ocorrência.

    A verdade é que vivemos encurralados e refugiados no nosso próprio território há muito tempo, numa reserva de 4 mil hectares — que deveria ser muito maior se a justiça fosse feita –, e esse confinamento involuntário nos deu resiliência, nos fez mais resistentes. Como posso explicar a uma pessoa que está fechada há um mês num apartamento numa grande metrópole o que é o meu isolamento? Desculpem dizer isso, mas hoje já plantei milho, já plantei uma árvore […].

 

    Faz algum tempo que nós, na aldeia Krenak, já estávamos de luto pelo nosso rio Doce. Não imaginava que o mundo nos traria esse outro luto. Está todo mundo parado. Quando engenheiros me disseram que iriam usar a tecnologia para recuperar o rio Doce, perguntaram a minha opinião. Eu respondi: “A minha sugestão é muito difícil de colocar em prática. Pois teríamos de parar todas as atividades humanas que incidem sobre o corpo do rio, a cem quilômetros nas margens direita e esquerda, até que ele voltasse a ter vida”. Então um deles me disse: “Mas isso é impossível”. O mundo não pode parar. E o mundo parou.

    Vivemos hoje esta experiência de isolamento social, como está sendo definido o confinamento, em que todas as pessoas têm de se recolher. Se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados da ruptura ou da extinção do sentido da nossa vida, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda. Assistimos a uma tragédia de gente morrendo em diferentes lugares do planeta, a ponto de na Itália os corpos serem transportados para a incineração em caminhões.

 

    Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade. Nós nos acostumamos com essa ideia, que foi naturalizada, mas ninguém mais presta atenção no verdadeiro sentido do que é ser humano. É como se tivéssemos várias crianças brincando e, por imaginar essa fantasia da infância, continuassem a brincar por tempo indeterminado. Só que viramos adultos, estamos devastando o planeta, cavando um fosso gigantesco de desigualdades entre povos e sociedades. De modo que há uma sub-humanidade que vive numa grande miséria, sem chance de sair dela — e isso também foi naturalizado [...].

   

    Esse vírus está discriminando a humanidade. Basta olhar em volta. O melão-de-são-caetano continua a crescer aqui do lado de casa. A natureza segue. O vírus não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos. Quem está em pânico são os povos humanos e seu mundo artificial, seu modo de funcionamento que entrou em crise [...].

  

    Michel Foucault tem uma obra fantástica, Vigiar e punir na qual afirma que essa sociedade de mercado em que vivemos só considera o ser humano útil quando está produzindo. Com o avanço do capitalismo, foram criados os instrumentos de deixar viver e de fazer morrer: quando o indivíduo para de produzir, passa a ser uma despesa. Ou você produz as condições para se manter vivo ou produz as condições para morrer [...].

 

    Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro. Depois disso tudo, as pessoas não vão querer disputar de novo o seu oxigênio com dezenas de colegas num espaço pequeno de trabalho. As mudanças já estão em gestação. Não faz sentido que, para trabalhar, uma mulher tenha de deixar os seus filhos com outra pessoa. Não podemos voltar àquele ritmo, ligar todos os carros, todas as máquinas ao mesmo tempo. Seria como se converter ao negacionismo, aceitar que a Terra é plana e que devemos seguir nos devorando. Aí, sim, teremos provado que a humanidade é uma mentira.

Disponível em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/krenak-o- -amanha-nao-esta-a-venda/. Acesso em: 31 mar. 2021.

 

A partir do texto de Ailton Krenak e de conhecimentos prévios, avalie as afirmações a seguir e marque V para as alternativas verdadeiras e F para as falsas.

 

( ) O confinamento que antes era restrito aos indígenas, que corriam risco de extinção, passou a ser um desafio para pessoas de todo o planeta, por causa da disseminação da Covid-19. Tecnologia e capacidade humana foram insuficientes contra a propagação do vírus.

( ) O excerto “A minha sugestão é muito difícil de colocar em prática. Pois, teríamos de parar todas as atividades humanas que incidem sobre o corpo do rio, a cem quilômetros nas margens direita e esquerda, até que ele voltasse a ter vida” revela que, com a paralisação generalizada, a sugestão do indígena foi respeitada.

( ) O autor estabelece relação de intertextualidade ao citar o filósofo Michel Foucault, que escreveu o livro “Vigiar e punir”. E seu texto (de Krenak) está escrito em discurso direto, predominantemente, e oscila em primeira pessoa do singular e do plural. ( ) Ao afirmar “tomara que não voltemos à normalidade”, Ailton Krenak deseja a continuidade do confinamento social para que as pessoas possam transformar seus comportamentos em relação aos outros.

( ) O autor indígena critica o capitalismo reducionista, cuja visão define o ser humano como útil apenas enquanto trabalha e produz para gerar riquezas. Quando para de produzir, a pessoa vira estorvo e gera prejuízo. Essa visão tem sido evidenciada por um número de empresários e governantes durante a pandemia Covid-19.

( ) Ailton Krenak revela postura consciente e crítica em defesa da vida do ser humano e de outros seres do planeta. Essa consciência não é novidade para ele, uma vez que inúmeros povos indígenas, há tempo, têm defendido os bens naturais como as florestas e as águas, além de uma vida sem consumismo desenfreado.

 

Está correta a alternativa que apresenta a sequência correta, marcada de cima para baixo.

a

V, V, F, V, F e V. 

b

V, F, V, F, V e V. 

c

F, F, V, F, V e F. 

d

V, F, V, V, F e V.

e

F, V, F, V, F e V.

Ver resposta
Ver resposta
Resposta
B

Resolução

Nesta questão, precisamos analisar diversos trechos do texto de Ailton Krenak para julgar a veracidade de cada afirmação. A sequência correta (de cima para baixo) é: V, F, V, F, V, V. Portanto, a alternativa correta é a letra B.

Dicas

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Observe o sentido de cada afirmação e compare com o texto de Krenak.
Verifique se, de fato, a proposta de abandonar as atividades em torno do rio Doce foi efetivada.
Repare com atenção no trecho sobre voltar ou não à ‘normalidade’ para entender a posição de Krenak.

Erros Comuns

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Assumir que Krenak deseje o confinamento eterno, quando, na realidade, ele quer mudança de padrões de vida.
Interpretar que a paralisação econômica implementada pela Covid-19 atendeu integralmente à sugestão de se parar todas as atividades humanas que afetam o rio Doce.
Não perceber o uso de intertextualidade ao citar Michel Foucault.
Revisão
Para responder corretamente, é fundamental compreender: (1) a ideia de confinamento na cultura indígena e sua analogia com a quarentena global causada pela Covid-19; (2) o sentido da citação de Michel Foucault como intertextualidade, relacionando o capitalismo com a utilidade do ser humano; (3) o contexto de defesa indígena em relação ao meio ambiente e à vida; e (4) a distinção entre desejar uma mudança de comportamento e simplesmente manter o isolamento.
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