Leia este trecho retirado de Campo Geral:
— Traste de negra pagã, encostada na cozinha, mascando fumo e rogando para os demônios dela, africanos! Vem ajoelhar gente, Mãitina!
Mãitina não se importava, com nenhuns, vinha, ajoelhava igual aos outros, rezava. Não se entendia bem a reza que ela produzia, tudo resmungo; mesmo para falar, direito, direito não se compreendia. A Rosa dizendo que Mãitina rezava porqueado: ‘Véva Maria zela de graça, pega ne Zesú põe no saco de monbassa...’
(...) Vovó Izidra ralhava. E reprovava Mãitina, discutindo que Mãtina estava grolando feias palavras despautadas, mandava Mãtina voltar para a cozinha, lugar de feiticeiro era debaixo dos olhos do fogo, em remexendo no borralho! Mãitina ia lá, para esperar de cócoras, tudo que os outros mandavam ela obedecia, quando não estava com raiva. Se estivesse com raiva, ninguém tinha coragem de mandar. (...)
ROSA, João Guimarães. Campo Geral. IN: Manuelzão e Miguilim (Corpo de baile). 11ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 46-47.
Sobre a religiosidade praticada durante a vigência da escravidão no Brasil é CORRETO afirmar que
a conversão dos africanos ao catolicismo foi regra pouco observada no Brasil, pois Mãitina, como indicado no texto, se relacionava melhor com entidades sobrenaturais do que com os elementos que eram característicos do catolicismo.
a maneira de Mãitina rezar revela uma prática usual entre todos os escravos no Brasil, que era esconder conscientemente sob as formas do catolicismo tradicional, os elementos característicos de suas práticas religiosas da África.
Mãitina representava o padrão religioso a que ficavam afeitos vários escravos no Brasil, que praticavam a religião católica, que mal compreendiam, sem abandonar elementos das religiões de origem africana.
Mãitina rezava à sua maneira, desfigurando a oração original de propósito, a fim de que lhe mandassem de volta para a cozinha, que era o espaço onde encontrava os elementos componentes de sua devoção.