Leia atentamente os dois textos e compare-os para responder a questão. O texto de Gonzaga foi publicado pela primeira vez em 1792, em Portugal. Cerca de um século e meio depois, Cecília Meireles (em 1953) publica, no Brasil, a primeira edição do Romanceiro da Inconfidência.
TEXTO:
LIRA XIV
[1] Minha bela Marília, tudo passa;
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
[5] Estão os mesmos deuses
Sujeitos ao poder do ímpio Fado:
Apolo já fugiu do Céu brilhante,
Já foi Pastor de gado.
[...]
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
[10] Não voltam contra nós a face irada,
Façamos, sim, façamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos.
Um coração que frouxo,
A grata posse de seu bem difere,
[15] A si, Marília, a si próprio rouba,
E a si próprio fere.
Ornemos nossas testas com as flores,
E façamos de feno um brando leito;
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
[20] Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre.
[25] Com os anos, Marília, o gosto falta,
E se entorpece o corpo já cansado;
Triste, o velho cordeiro está deitado,
E o leve filho sempre alegre salta.
A mesma formosura
[30] É dote que só goza a mocidade:
Rugam-se as faces, o cabelo alveja,
Mal chega a longa idade.
Que havemos de esperar, Marília bela?
Que vão passando os florescentes dias?
[35] As glórias, que vêm tarde, já vêm frias;
E pode enfim mudar-se a nossa estrela.
Ah! Não, minha Marília,
Aproveite-se o tempo, antes que faça
O estrago de roubar ao corpo as forças,
[40] E ao semblante a graça.
GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. In: PROENÇA FILHO. A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1996. p. 597-598.
Romance LXXIII ou da inconformada Marília
[1] Pungia a Marília, a bela,
negro sonho atormentado:
voava seu corpo longe,
longe por alheio prado.
[5] Procurava o amor perdido,
a antiga fala do amado.
Mas o oráculo dos sonhos
dizia a seu corpo alado:
“Ah, volta, volta, Marília,
[10] tira-te desse cuidado,
que teu pastor não se lembra
de nenhum tempo passado...”
E ela, dormindo, gemia:
“Só se estivesse alienado!”
[15] Entre lágrimas se erguia
seu claro rosto acordado.
Volvia os olhos em roda,
e logo, de cada lado,
piedosas vozes discretas
[20] davam-lhe o mesmo recado:
“Não chores tanto, Marília,
por esse amor acabado:
que esperavas que fizesse
o teu pastor desgraçado,
[25] tão distante, tão sozinho
Em tão lamentoso estado?”
A bela, porém gemia:
“Só se estivesse alienado!”
E a névoa da tarde vinha
[30] com seu véu tão delicado
envolver a torre, o monte,
o chafariz, o telhado...
Mas os versos! Mas as juras!
Mas o vestido bordado!
[35] Bem que o coração dizia
— coração desventurado –
“Talvez se tenha esquecido...”
“Talvez se tenha casado...”
Seu lábio porém gemia:
[40] “Só se tivesse alienado!”
MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. In: _____. Obra poética. Rio de Janeiro, José Aguilar, 1958. p. 849-850.
Sobre os dois poemas, é correto afirmar:
I. No primeiro poema, encarnando ainda as características do momento literário anterior, Gonzaga exalta a beleza do amor impossível, convocando a mulher amada a corresponder à pureza desse amor idealizado e platônico.
II. Fiel aos ditames de seu momento literário, o autor do primeiro poema, frente à passagem inexorável do tempo, convoca a amada a vivenciar a felicidade de um amor bucólico, simples, cheio de pureza como a vida pastoril no campo.
III. No segundo poema, Cecília Meireles resgata a história de amor tematizada no primeiro texto, criando espaço para a voz desesperada de Marília, que, apesar das evidências, ainda acredita na veracidade e permanência do amor de Dirceu.
IV. Um dos enlaces entre os dois poemas é o fato de que, no primeiro há o temor de Dirceu sobre a ação deletéria do tempo sobre o amor, o que se confirma no segundo, em que Marília chora e se desespera frente ao silêncio de Dirceu.
V. Cecília Meireles, no segundo poema, quebra não só os padrões literários observados no primeiro texto, dando espaço para uma estética mais ligada ao modernismo, como também nega a veracidade do idílio amoroso de Gonzaga.
A alternativa em que todas as afirmativas indicadas estão corretas é a
I e II.
II e V.
IV e V.
I, III e IV.
II, III e IV.