Leia atentamente o soneto de Claudio Manuel da Costa, a seguir:
Eu ponho esta sanfona, tu, Palemo,
Porás a ovelha branca, e o cajado;
E ambos ao som da flauta magoado
Podemos competir de extremo a extremo.
Principia, pastor; que eu te não temo;
Inda que sejas tão avantajado
No cântico amebeu: para louvado
Escolhamos embora o velho Alcemo.
Que esperas? Toma a flauta, principia;
Eu quero acompanhar-te; os horizontes
Já se enchem de prazer, e de alegria:
Parece, que estes prados, e estas fontes
Já sabem, que é o assunto da porfia
Nise, a melhor pastora destes montes.
Nota-se, no soneto, em questão a proposição do eu lírico de uma cena em que se apresentam os elementos (a sanfona, a ovelha branca, o cajado, o pastor) e um cenário (os prados, as fontes). Às imagens, somam-se, virtualmente, os sons evocados pelo poema, materializados pelas rimas finais empregadas, mas também evocados pelos instrumentos musicais. Todo esse arranjo visa a uma discussão (porfia) cujo assunto é Nise, para os quais os horizontes já se enchem de prazer e alegria.
Essa composição exemplifica:
A construção de um locus amoenus, em clara relação ao aspecto bucólico materializado na imagem dos prados e dos pastores.
A construção de uma poesia sinestésica, ao criar imagens que cruzam os sentidos do paladar e do olfato aos da visão.
Ao uso de construções truncadas, em alusão às convulsões próprias do amor romântico, cujo idealismo se materializa em Nise.
Ao cavalheirismo medieval, presente na contenda pela amada, que provoca a porfia “de extremo a extremo”, como índice da retomada de temas da antiguidade clássica.
O amor carnal, materializado metaforicamente por meio dos instrumentos musicais, como recurso do eufemismo que sintetiza a estética neoclássica.