IFSudMinas 2016/1

Leia, atentamente, o conto “Tentação”, de Clarice Lispector.

 

Tentação

 

  Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade 1 das duas horas, ela era ruiva.
  Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos
degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no
ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de
[5] momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma
menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta
nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que
importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por

enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma
[10] bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado,
apertando-a contra os joelhos.
  Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A
possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina acompanhando uma senhora, e
encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um
[15] basset ruivo.
  Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido,
acostumado, cachorro.
  A menina abriu os olhos pasmados. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela.
Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.
[20]   Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a
menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela
olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a
desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
  Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos.
[25]   Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente,
pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se, com urgência,
com encabulamento, surpreendidos.
  No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança
vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos
[30] secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos,
entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à
gravidade com que se pediam.

  Mas ambos eram comprometidos.
  Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse
[35] uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.
  A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da
menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que
nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam,
debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.
[40]   Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.

Fonte: LISPECTOR, Clarice. “Tentação”. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. Adaptado.

 

Leia o extrato da obra Psicodrama, de Jacob Levy Moreno.

 

Olho no olho

Cara a cara

E quando estiveres bem perto,

Eu arrancarei teus olhos

E os colocarei no lugar dos meus

E tu arrancarás os meus olhos

E os colocará no lugar dos teus,

Então eu te olharei com teus olhos

E tu me olharás com os meus.

Moreno, J.L. Psicodrama. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1978. Adaptado.

 

Observe os seguintes versos: “Então eu te olharei com teus olhos/E tu me olharás com os meus”. A partir da leitura desses versos, podemos afirmar que o texto de Jacob Levy Moreno dialoga com o conto Tentação, de Clarice Lispector.

 

Marque o excerto do conto de Clarice Lispector que justifica CORRETAMENTE essa afirmação.

a

“O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos” (linhas 09-11). 

b

“A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão” (linhas 12-14).

c

“Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam” (linhas 25-26). 

d

“A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo” (linhas 36-37). 

e

“Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina” (linhas 38-39).

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