Leia atentamente o conteúdo dos capítulos abaixo, o primeiro retirado de Senhora, de José de Alencar, e o segundo de Dom Casmurro, de Machado de Assis:
XI
A notícia do próximo casamento de Aurélia produziu na sociedade fluminense grande assombro. Ninguém podia capacitar-se de que essa moça, pretendida pelo creme dos noivos fluminenses, podendo escolher à vontade, entre os seus inúmeros adoradores, maridos de toda a espécie, tivesse o mau gosto de enxovalhar-se com um escrevinhador de folhetins. O Alfredo Moreira, quando a encontrou depois da novidade, não pôde esconder o despeito: - Então casa-se? - É verdade. - Afinal achou; cotação muito alta sem dúvida? replicou o elegante com ironia. - Não, tornou-lhe a moça no mesmo tom. Ficou-me por uma ninharia. - Ah! estimo muito. Que preço? - Quer saber o preço? - Estou curioso. - Foi o seu. O Moreira mordeu os beiços e riu-se. Apesar de tudo não perdera a derradeira esperança. O projetado casamento podia desfazer-se por qualquer motivo, e não era difícil que a moça de um momento para outro se arrependesse da escolha com a mesma volubilidade com que a tinha feito de repente e por um capricho (...) Seixas pelas palavras que Aurélia havia proferido tão d’alma, na ocasião de dar-lhe a mão de esposa, julgara compreender o segredo das estranhezas e oscilações do caráter da moça. Ela duvida que eu a ame, pensou consigo. Suspeita que tenho a mira em sua riqueza. É preciso que a convença da sinceridade de minha afeição. Se ela soubesse! Um desgraçado pode sacrificar sua liberdade; mas a alma não se vende!
Fonte: ALENCAR, José de. Senhora. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, pp. 81-82.
CAPÍTULO CI/ NO CÉU
Pois sejamos felizes de uma vez, antes que o leitor pegue em si, morto de esperar, e vá espairecer a outra parte; casemo-nos. Foi em 1865, uma tarde de março, por sinal que chovia. Quando chegamos ao alto da Tijuca, onde era o nosso ninho de noivos, o céu recolheu a chuva e acendeu as estrelas, não só as já conhecidas, mas ainda as que só serão descobertas daqui a muitos séculos. Foi grande fineza e não foi única. S. Pedro, que tem as chaves do céu, abriu-nos as portas dele, fez-nos entrar, e depois de tocar-nos com o báculo, recitou alguns versículos da sua primeira epístola: "As mulheres sejam sujeitas a seus maridos... Não seja o adorno delas o enfeite dos cabelos riçados ou as rendas de ouro, mas o homem que está escondido no coração... Do mesmo modo, vós, maridos, coabitai com elas, tratando-as com honra, como a vasos mais fracos, e herdeiras convosco da graça da vida..." Em seguida, fez sinal aos anjos, e eles entoaram um trecho do cântico, tão concertadamente, que desmentiriam a hipótese do tenor italiano, se a execução fosse na terra; mas era no céu. A música ia com o texto, como se houvessem nascido juntos, à maneira de uma ópera de Wagner. Depois, visitamos uma parte daquele lugar infinito. Descansa que não farei descrição alguma, nem a língua humana possui formas idôneas para tanto. Ao cabo, pode ser que tudo fosse um sonho, nada mais natural a um ex-seminarista que ouvir por toda a parte latim e Escritura. A verdade que Capitu, que não sabia Escritura nem latim, decorou algumas palavras, como estas, por exemplo: "Sentei-me à sombra daquele que tanto havia desejado." Quanto às de S. Pedro, disse-me no dia seguinte que estava por tudo, que eu era a única renda e o único enfeite que jamais poria em si. Ao que eu repliquei que a minha esposa teria sempre as mais finas rendas deste mundo.
Fonte: ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Ática, 1987, pp.-183- 184.
Observe as seguintes afirmações a respeito da temática do casamento nos dois romances citados:
I. Assumindo o ideário da estética romântica, Machado de Assis nos oferece em Dom Casmurro um exemplo da visão que os autores dessa tendência costumam apresentar a respeito da união matrimonial, celebrada como realização feliz da principal busca do par romântico: o amor sincero, que se consagra no casamento.
II. No que diz respeito ao personagem Fernando Seixas, escolhido (e comprado) por Aurélia para ser seu esposo, Senhora é um romance sobre a redenção – pela punição sofrida – de um homem que, por interesses pessoais, despreza o verdadeiro amor. A atitude de “vender-se” é repensada ao final do livro, quando Seixas dá mostras de arrepender-se e faz por merecer o perdão de Aurélia, a qual, apesar do castigo que lhe dirigira, jamais deixara de o amar.
III. A suspeita da traição é um ponto de aproximação dos enredos dos dois romances. Os protagonistas Aurélia (em Senhora) e Bentinho (em Dom Casmurro) casam-se com indivíduos que, após o matrimônio, lhes revelam uma grande capacidade de dissimulação, impedindo a felicidade das uniões. No livro de Alencar, Seixas, que, por escrúpulos, rejeita a oferta de dote de Aurélia, casa-se com ela, mas mantém, ao longo da narrativa, um relacionamento com Sancha, a melhor amiga da esposa. Já no livro de Machado, Capitu, que jamais escondera, quando solteira, a intenção de se casar com Bento pelo dinheiro dele – tendo recebido um grande dote da família Santiago para oficializar a união -, despreza o marido após o casamento, tendo vários amantes.
Das afirmativas citadas, contém INCORREÇÃO:
Somente II.
I e II.
Somente III.
II e III.
I e III.