Leia a seguir trechos de uma crônica de Luis Fernando Veríssimo.
Cultura
Ele disse: “O teu sorriso é como o primeiro suave susto de Julieta quando, das sombras perfumadas
do jardim sob a janela insone, Romeu deu voz ao sublime Bardo e a própria noite aguçou seus ouvidos”.
E ela disse: “Corta essa”.
E ele disse: “A tua modéstia é como o rubor que assoma à face de rústicas campônias acossadas num
[5] quadro de Bruegel, pai, enaltecendo seu rubicundo encanto e derrotando o próprio simular de recato que a
natureza ao deflagrá-lo, quis”.
E ela disse: “Cumé que é?”
E ele disse: “Eu te amo como jamais um homem amou, como o Amor mesmo, em seu Autoamor, jamais
se considerou capaz de amar”.
[10] E ela: “Tô sabendo...”
“Tu és a chuva e eu sou a terra; tu és ar e eu sou fogo; tu és estrume, eu sou raiz”.
“Pô!”
“Desculpe. Esquece este último símile. Minha amada, minha vida. A inspiração é tanta que transborda e
me foge, eu estou bêbado de paixão, o estilo tropeça no meio-fio, as frases caem do bolso...”
[15] “Sei...”
“Os teus olhos são dois poços de águas claras onde brinca a luz da manhã, minha amada. A tua fronte é
como o muro de alabastro do templo de Zamaz-al-Kaad, onde os sábios iam roçar o nariz e pensar na
Eternidade. A tua boca é uma tâmara partida... Não, a tua boca é como um... um... Pera só um pouquinho...”
“Tô só te cuidando”.
[20] “A tua boca, a tua boca, a tua boca... (Uma imagem, meu Deus!)”
“Que qui tem a minha boca?”
“A tua boca, a tua boca... Bom, vamos pular a boca. O teu pescoço é como o pescoço de Greta Garbo na
famosa cena da nuca em Madame Walewska, com Charles Boyer, dirigido por Clarence Brown, iluminado
por...”
[25] “Escuta aqui...”
“Eu tremo! Eu desfaleço! Ela quer que eu a escute! Como se todo o meu ser não fosse uma membrana
que espera a sua voz para reverberar de amor, como se o céu não fosse a campana e o Sol o badalo desta
sinfonia especial: uma palavra dela...”
“Tá ficando tarde”.
[30] “Sim, envelhecemos. O Tempo, soturno cocheiro deste carro fúnebre que é a Vida. Como disse Eliot,
aliás, Yeats - ou foi Lampedusa? - , o Tempo esse surdo-mudo que nos leva às costas...”
“Vamos logo que hoje eu não posso ficar toda a noite”.
[...]
“Já sei!”
[35] “O quê? Volta aqui, pô...”
“Como um punhado de amoras na neve das estepes. A tua boca é como um punhado de amoras na neve
das estepes!”
VERÍSSIMO, Luis Fernando. Cultura. In: As mentiras que os homens contam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 149-151.
Levando ainda em consideração o excerto acima extraído do texto, marque a alternativa CORRETA que cria uma nova formulação da fala da personagem feminina de maneira a aproximá-la da variedade linguística da personagem masculina.
“Poderia eu pedir ao meu amado que repetisse tão inspirada fala em outras palavras, já que meus singelos ouvidos não foram capazes de sorver delas o seu verdadeiro significado?”
“Podes repetir o que havia dito, já que floreia tanto as palavras que não consegui entendêlas?”
“O que que você disse?”
“Você está de brincadeira comigo, né ... eu não consigo entender nada do que você está falando”.
“Gostaria que repetisse o que você estava dizendo porque as palavras são ininteligíveis para mim!”