Leia a seguir.
Balada das Três Mulheres do Sabonete Araxá (1931)
As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam.
Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!
Que outros, não eu, a pedra cortem
Para brutais vos adorarem,
Ó brancaranas azedas,
Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata
Ou celestes africanas:
Que eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres do sabonete Araxá!
São amigas, são irmãs, são amantes as três mulheres do sabonete Araxá?
São prostitutas, são declamadoras, são acrobatas?
São as três Marias?
Meu Deus, serão as três Marias?
A mais nua é doirada borboleta.
Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava pra beber e nunca mais telefonava.
Mas se a terceira morresse… Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim!
Se me perguntassem: queres ser estrela? queres ser rei? queres uma ilha no Pacífico? Um bangalô em Copacabana?
Eu responderia: Não quero nada disso, tetrarca. Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá:
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!
Bandeira, Manuel, Estrela da vida inteira. – 20. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p.150-1.
Vocabulário
Bouleversam – neologismo criado a partir da palavra francesa bouleverser – envolver-se em grande desordem, chatear-se. (Le Petit Robert Micro – p. 158).
Brancaranas – mestiça ou mulata clara que se passa por branca. (Dicionário Houaiss da língua portuguesa. – 1.ed. Rio de Janeiro: 2009. p.322)
Tetrarca – chefe ou governador de uma tetrarquia. Senhor da quarta parte de uma região ou dirigente que divide a chefia com outros três. (Dicionário Houaiss da língua portuguesa. – 1.ed. Rio de Janeiro: 2009. p.1839)
O poema de Bandeira, escrito em 1931, evoca, poeticamente, uma situação que hoje é comum no universo propagandístico brasileiro – o uso da imagem da mulher atrelada a um produto, fenômeno a que os sociólogos chamam de coisificação da mulher.
A respeito do texto lido, é CORRETO afirmar que
o desejo insatisfeito do eu lírico - perceptível na projeção erótica sugerida pela propaganda do sabonete é um reflexo da condição física do autor, constituindo-se, portanto, na característica mais importante de sua produção poética.
a inabilidade do autor Manuel Bandeira em lidar com as frustrações advindas da impossibilidade da realização amorosa em decorrência de suas limitações físicas o levam a desvalorizar o corpo feminino, tratado com irreverência e sarcasmo.
a coisificação do corpo feminino é criticada - numa postura madura e atemporal - pelo eu lírico nos versos, que tratam, ironicamente, da manipulação do nu feminino, utilizado para aumentar a venda dos sabonetes através do apelo erótico.
o amor é encarado a partir de uma experiência de caráter subjetivo, pautada no jogo da imaginação do eu lírico que subverte a imagem da propaganda em uma Pasárgada erótica que lhe acena com a possibilidade da realização sexual.
a construção poética, pautada em intertextos que vão de Shakespeare à modinha contemporânea ao autor, libertase do vínculo com a realidade palpável ao reduzi-la ao aspecto essencial – o amor idealizado típico dos românticos.