Leia a crônica de Luis Fernando Verissimo para responder a questão.
Longe
Tem um velho provérbio chinês que diz: sempre que estiver em dificuldade para começar uma crônica, apele para um velho provérbio chinês. E tem outro provérbio chinês, que acabei de inventar, que diz: quando não existir nenhum velho provérbio chinês apropriado para começar uma crônica, invente um. Inventei o seguinte: quanto mais longe de uma explosão, mais se sabe sobre ela.
É um provérbio obscuro, reconheço, mas vou contrariar todas as regras dos velhos ditados chineses e tentar esclarecê-lo. Certamente a última pessoa a quem você deve pedir informações sobre uma explosão é quem esteve no meio dela. Esta não terá condições de responder mais nada a ninguém, nunca. Você também não saberá muita coisa sobre a explosão entrevistando quem estava a poucos metros do local. Serão pessoas traumatizadas pelo evento, incoerentes, e cada uma terá uma versão diferente do que aconteceu. Não adianta também perguntar aos bombeiros ou aos policiais que acorrerem ao lugar da explosão – eles estarão muito ocupados fazendo seu trabalho. Perguntar aos jornalistas, então, nem pensar. Estes terão as explicações mais desencontradas.
O que você deve fazer, portanto, é ir afastando-se do local da explosão até encontrar alguém que não ouviu sequer o estrondo. Esse saberá o que aconteceu. Esse terá o fato em estado puro, separado da sua circunstância, e poderá desenvolver uma teoria irreparável, uma teoria a salvo da realidade.
Para falarmos do Brasil e dos seus problemas atuais com isenção teríamos, antes de mais nada, de não estar aqui. Ajudaria se fôssemos escandinavos. Ou então se vivêssemos naquele estranho Brasil que não é Brasil, que não sofre o Brasil na carne e que está a salvo de todas as suas concussões: a terra da nossa elite dirigente, a Escandinávia virtual dos nossos tecnocratas1 . É lá que a sabedoria do meu provérbio é provada, pois é lá – longe das ruínas do dia a dia, longe das circunstâncias que desmentem e atrapalham – que vive, incontestada, a nossa classe explicadora.
(Aquele estranho dia que nunca chega, 2011.)
1 tecnocrata: estadista ou alto funcionário que busca apenas soluções técnicas ou racionais para os problemas, sem levar em conta aspectos humanos e sociais.
O autor recorre à invenção de um provérbio para argumentar que
a elite dirigente brasileira está em uma situação privilegiada para teorizar sobre os problemas nacionais porque não é afetada diretamente por eles.
a elite brasileira é a camada da população mais preparada para resolver os problemas de cada cidadão porque sabe avaliá-los com respeito às individualidades.
os tecnocratas brasileiros não são capazes de combater com rapidez e eficiência os problemas sociais porque se deixam levar pela emoção.
a sociedade brasileira não precisa se organizar para resolver seus problemas porque pode confiar no distanciamento dos tecnocratas para defendê-la.
os jornalistas brasileiros não têm competência para informar sobre a situação política do Brasil porque estão muito distantes dos interesses dos dirigentes.