Leia a crônica a seguir, retirada do livro Histórias que os jornais não contam, de Moacyr Scliar, e responda à questão.
Nesta enquete eleitoral a margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. (23/10/2005)
O estatístico acordou e, como sempre o fazia, espiou pela janela. Céu nublado. Deveria levar o guarda-chuva? Com base em sua experiência pregressa, avaliou a possibilidade de chuva em 38%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Decidiu não levar o guarda-chuva, mesmo porque já havia esquecido três ou quatro no escritório.
A mulher dormia ainda e ele decidiu não acordá-la; professora universitária, ela tinha ficado até a meianoite corrigindo trabalhos. Merecia o descanso. E de repente uma pergunta lhe ocorreu: será que ainda se amavam? Qual era a possibilidade de que isso acontecesse depois de quinze anos, três meses e oito dias de casamento, depois de dois filhos, um com treze anos, seis meses e sete dias, outro com dez anos, dois meses e 20 dias? Poderia arriscar uma cifra, mas decidiu não fazê-lo, mesmo porque estava atrasado. Engoliu rapidamente o café (frio: cerca de 32 graus, concluiu, e não costumava errar: sua chance de acertar a temperatura dos líquidos era de cerca de 91%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos). Desceu para a garagem do prédio e entrou no carro, um velho Gol. O motor não quis pegar, e por um momento ele temeu que o automóvel o deixasse na mão. Mas as chances de que isso acontecesse eram de apenas 12%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos, e logo ele estava no trânsito, congestionado como sempre. Estimou a sua chance de chegar no horário em 72%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. De fato, às nove em ponto estava sentando à sua mesa.
Tinha várias pesquisas para examinar naquele dia. As chances de uma marca de sabão ser preferida em relação à outra, as chances de um candidato à presidência de empresa ser eleito em relação a outro. Um trabalho a que estava habituado e que em geral transcorria com facilidade; as chances de concluir a análise de uma pesquisa em duas horas e trinta e oito minutos eram de 83%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O fato, porém, é que uma pergunta o atormentava: será que ainda amava a esposa? Na semana anterior a empresa havia admitido uma nova estatística, moça simpática e linda que fizera balançar o seu coração.
Naquele momento o telefone tocou. Era a mulher: só queria dizer que o amava. E ele, jubiloso, concluiu que também a amava. As chances eram de 100%. Com uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais, só para mais.
SCLIAR, Moacyr. Para mais ou para menos. In: Histórias que os jornais não contam. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p.121-122.
Sobre as características tipológicas da crônica, considere as afirmativas a seguir.
I. A estrutura do texto narrativo mantém relação com determinados tempos verbais do modo indicativo, principalmente os pretéritos perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito, como comprova a crônica.
II. O pretérito perfeito exprime um fato concluído e o mais-que-perfeito é usado para retomar um acontecimento ainda mais anterior aos fatos que narra, como no trecho “moça simpática e linda que fizera balançar o seu coração”.
III. Os tempos verbais utilizados no texto configuram um tipo de discurso comentado, com características descritivas, típico do gênero jornalístico ao qual a crônica pertence.
IV. O presente histórico é utilizado para enfatizar fatos passados como se estivessem acontecendo no momento da fala, pois, ao narrar, o cronista menciona fatos ocorridos e, portanto, anteriores ao tempo em que se fala.
Assinale
Somente as afirmativas I e II são corretas.
Somente as afirmativas I e IV são corretas.
Somente as afirmativas III e IV são corretas.
Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.