UNESP 2012/1
Instrução: Leia o texto para responder à questão de número 35.
Os africanos não escravizavam africanos, nem se reconheciam então como africanos. Eles se viam como membros de uma aldeia, de um conjunto de aldeias, de um reino e de um grupo que falava a mesma língua, tinha os mesmos costumes e adorava os mesmos deuses. (...) Quando um chefe (...) entregava a um navio europeu um grupo de cativos, não estava vendendo africanos nem negros, mas (...) uma gente que, por ser considerada por ele inimiga e bárbara, podia ser escravizada. (...) O comércio transatlântico (...) fazia parte de um processo de integração econômica do Atlântico, que envolvia a produção e a comercialização, em grande escala, de açúcar, algodão, tabaco, café e outros bens tropicais, um processo no qual a Europa entrava com o capital, as Américas com a terrae a África com o trabalho, isto é, com a mão de obra cativa.
(Alberto da Costa e Silva. A África explicada aos meus filhos, 2008. Adaptado.)
Ao caracterizar a escravidão na África e a venda de escravos por africanos para europeus nos séculos XVI a XIX, o texto
reconhece que a escravidão era uma instituição presente em todo o planeta e que a diferenciação entre homens livres e homens escravos era definida pelas características raciais dos indivíduos.
critica a interferência europeia nas disputas internas do continente africano e demonstra a rejeição do comércio escravagista pelos líderes dos reinos e aldeias então existentes na África.
diferencia a escravidão que havia na África da que existia na Europa ou nas colônias americanas, a partir da constatação da heterogeneidade do continente africano e dos povos que lá viviam.
afirma que a presença europeia na África e na América provocou profundas mudanças nas relações entre os povos nativos desses continentes e permitiu maior integração e colaboração interna.
considera que os únicos responsáveis pela escravização de africanos foram os próprios africanos, que aproveitaram as disputas tribais para obter ganhos financeiros.
Resolução
A questão pede para identificar como o texto de Alberto da Costa e Silva caracteriza a escravidão na África e a venda de escravizados por africanos para europeus entre os séculos XVI e XIX.
Análise do Texto:
- Identidade Africana: O texto inicia enfatizando que não havia um sentimento de identidade continental "africana" nesse período. As pessoas se identificavam com grupos menores (aldeia, reino, grupo linguístico/cultural). "Os africanos não escravizavam africanos, nem se reconheciam então como africanos."
- Motivação da Venda: A venda de cativos para europeus era vista, pelos líderes africanos envolvidos, como a entrega de inimigos, "bárbaros", e não como a venda de compatriotas ou pessoas da mesma identidade. "(...) não estava vendendo africanos nem negros, mas (...) uma gente que, por ser considerada por ele inimiga e bárbara, podia ser escravizada."
- Contexto Econômico Atlântico: O texto insere o comércio transatlântico de escravizados em um sistema econômico maior, a "integração econômica do Atlântico", que envolvia a produção de bens tropicais nas Américas. Nesse sistema, a Europa fornecia capital, as Américas forneciam terra, e a África fornecia mão de obra cativa.
Avaliação das Alternativas:
- A - Incorreta: O texto não define a escravidão (praticada por africanos contra outros grupos) com base em características raciais. Pelo contrário, enfatiza que a identidade era baseada em pertencimento a grupos menores e que os vendidos eram vistos como "inimigos".
- B - Incorreta: O texto não menciona uma rejeição generalizada ao comércio pelos líderes africanos; ao contrário, descreve sua participação ativa na venda de cativos (considerados inimigos). Também não foca em criticar a interferência europeia, mas em descrever a dinâmica.
- C - Correta: O texto diferencia a dinâmica interna da África (heterogeneidade, identidades locais, escravização de inimigos) da lógica do sistema atlântico impulsionado pelos europeus. Ao destacar que os africanos não se viam como um grupo único e vendiam "inimigos", o texto mostra que a escravidão na África tinha características distintas daquela que se consolidou nas Américas (em larga escala, baseada na ideia de raça e voltada para a produção colonial). A heterogeneidade africana é central para entender por que um grupo vendia outro.
- D - Incorreta: O texto descreve a integração da África no sistema atlântico através da mão de obra forçada, o que não implicou necessariamente maior integração ou colaboração interna entre os povos africanos. A presença europeia frequentemente intensificou conflitos existentes.
- E - Incorreta: O texto não atribui responsabilidade exclusiva aos africanos. Ele claramente descreve um sistema atlântico com múltiplos atores: Europa (capital), Américas (terra) e África (trabalho escravizado), mostrando a interdependência e a responsabilidade compartilhada (embora com papéis diferentes) nesse processo.
Conclusão:
O texto enfatiza a diversidade interna da África e as identidades locais para explicar como a venda de cativos ocorria, diferenciando essa dinâmica interna do sistema escravista atlântico mais amplo, o que corresponde à alternativa C.
Dicas
Erros Comuns
Revisão de Conceitos Essenciais
- Escravidão na África Pré-Colonial e Colonial: Formas variadas de escravidão existiam na África antes da chegada dos europeus, frequentemente ligadas a guerras, dívidas ou punições. Com o comércio atlântico, essa prática foi intensificada e transformada para atender à demanda europeia por mão de obra nas Américas.
- Comércio Transatlântico de Escravizados: Sistema de comércio que vigorou entre os séculos XVI e XIX, no qual milhões de africanos foram capturados, vendidos e transportados à força para as Américas para trabalhar, principalmente em plantações. Envolvia comerciantes europeus, líderes e comerciantes africanos, e colonos nas Américas.
- Identidade e Etnicidade na África: No período do tráfico, não existia uma identidade pan-africana. As lealdades e identidades eram primariamente locais (vilarejo, reino, grupo étnico/linguístico). Conflitos entre esses grupos eram comuns e foram explorados e intensificados pelo comércio de escravizados.
- Economia Atlântica: Sistema econômico interligado que se desenvolveu em torno do Oceano Atlântico a partir do século XVI, conectando Europa, África e Américas através do comércio de mercadorias (açúcar, tabaco, algodão), metais preciosos e, crucialmente, de pessoas escravizadas.
