Instrução: A questão está relacionada ao texto abaixo.
Recebi consulta de um amigo que tenta
deslindar segredos da língua para
estrangeiros que querem aprender português.
Seu problema: “se digo em uma sala de aula:
[5] ‘Pessoal, leiam o livro X’, como explicar a
concordância? Certamente, não se diz
‘Pessoal, leia o livro X’".
Pela pergunta, vê-se que não se trata de
fornecer regras para corrigir eventuais
[10] problemas de padrão. Trata-se de entender
um dado que ocorre regularmente, mas que
parece oferecer alguma dificuldade de análise.
Em primeiro lugar, é óbvio que se trata de
um pedido (ou de uma ordem) mais ou
[15] menos informal. Caso contrário, não se usaria
a expressão “pessoal”, mas talvez “Senhores”
ou “Senhores alunos”.
Em segundo lugar, não se trata da tal
concordância ideológica, nem de silepse
[20] (hipóteses previstas pela gramática para
explicar concordâncias mais ou menos
excepcionais, que se devem menos a fatores
sintáticos e mais aos semânticos; exemplos
correntes do tipo “A gente fomos” e “o
[25] pessoal gostaram” se explicam por esse
critério). Como se pode saber que não se
trata de concordância ideológica ou de
silepse? A resposta é que, nesses casos, o
verbo se liga ao sujeito em estrutura sem
[30] vocativo, diferentemente do que acontece
aqui. E em casos como “Pedro, venha cá”,
“venha” não se liga a “Pedro”, mesmo que
pareça que sim, porque Pedro não é o sujeito.
Para tentar formular uma hipótese mais
[35] clara para o problema apresentado, talvez se
deva admitir que o sujeito de um verbo pode
estar apagado e, mesmo assim, produzir
concordância. O ideal é que se mostre que o
fenômeno não ocorre só com ordens ou
[40] pedidos, e nem só quando há vocativo.
Vamos por partes: a) é normal, em
português, haver orações sem sujeito
expresso e, mesmo assim, haver flexão
verbal. Exemplos correntes são frases como
[45] “chegaram e saíram em seguida”, que todos
conhecemos das gramáticas; b) sempre que
há um vocativo, em princípio, o sujeito pode
não aparecer na frase. É o que ocorre em
“meninos, saiam daqui”; mas o sujeito pode
[50] aparecer, pois não seria estranha a sequência
“meninos, vocês se comportem”; c) se forem
aceitas as hipóteses a) e b) (diria que são
fatos), não seria estranho que a frase
“Pessoal, leiam o livro X” pudesse ser tratada
[55] como se sua estrutura fosse “Pessoal, vocês
leiam o livro x”. Se a palavra “vocês” não
estivesse apagada, a concordância se
explicaria normalmente; d) assim, o problema
real não é a concordância entre “pessoal” e
[60] “leiam”, mas a passagem de “pessoal” a
“vocês”, que não aparece na superfície da
frase.
Este caso é apenas um, dentre tantos
outros, que nos obrigariam a considerar na
[65] análise elementos que parecem não estar na
frase, mas que atuam como se lá estivessem.
Adaptado de: POSSENTI, Sírio. Malcomportadas línguas. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. p. 85-86.
Considere as seguintes afirmações acerca dos usos verbais no texto e assinale a alternativa correta.
O verbo Recebi (l. 01), no pretérito perfeito, faz referência a um dizer do amigo do autor no momento em que ensinava língua portuguesa para estrangeiros e buscava deslindar os segredos da língua.
O uso predominante de verbos no presente diz respeito ao fato de que o texto aborda uma questão atual sobre a língua portuguesa, que precisa ser discutida em sala de aula.
A expressão se deva (l. 35-36), no presente do subjuntivo, possibilita ao autor apresentar certeza em sua argumentação diante de um caso problemático no uso da língua portuguesa.
A locução verbal forem aceitas (l. 51-52) vincula-se ao verbo seria (l. 53) para o autor situar a sua argumentação como possibilidade.
Os empregos de formas infinitivas do verbo, no decorrer do texto, estão ligados ao fato de que o autor se vale de verbos auxiliares para expressar modo e tempo, com o propósito de criar um estilo mais informal.