Instrução: A questão está relacionada ao texto abaixo.
Da sua janela, ponto culminante da
Travessa das Acácias, o Prof. Clarimundo viaja
o olhar pela paisagem. No pátio de D. Veva um
cachorro magro fuça na lata do lixo. Mais no
[05] fundo, um pomar com bergamoteiras e
laranjeiras pontilhadas de frutos dum amarelo
de gemada. Quintais e telhados, fachadas
cinzentas com a boca aberta das janelas. Na
frente da sapataria do Fiorello, dois homens
[10] conversam em voz alta. A fileira das acácias se
estende rua afora. As sombras são dum violeta
profundo. O céu está levemente enfumaçado e
a luz do sol é de um amarelo oleoso e fluido.
Vem de outras ruas a trovoada dos bondes
[15] atenuada pela distância. Grasnar de buzinas.
Num trecho do Guaíba que se avista longe,
entre duas paredes caiadas, passa um veleiro.
Para Clarimundo tudo é novidade. Esta hora
é uma espécie de parêntese que ele abre em
[20] sua vida interior, para contemplar o mundo
chamado real. E ele verifica, com divertida
surpresa, que continuam a existir os cães e as
latas de lixo, apesar de Einstein. O sol brilha e
os veleiros passam sobre as águas, não
[25] obstante Aristóteles. Seus olhos contemplam a
paisagem com a alegria meio inibida duma
criança que, vendo-se de repente solta num
bazar de brinquedos maravilhosos, não quer no
primeiro momento acreditar no testemunho de
[30] seus próprios olhos.
Clarimundo debruça-se à janela... Então
tudo isto existia antes, enquanto ele passava
........ horas ........ voltas com números e
teorias e cogitações, tudo isto tinha realidade?
[35] (Este pensamento é de todas as tardes à
mesma hora: mas a surpresa é sempre nova.)
E depois, quando ele voltar para os livros, para
as aulas, para dentro de si mesmo, a vida ali
fora continuará assim, sem o menor hiato, sem
[40] o menor colapso?
Um galo canta num quintal. Roupas brancas
se balouçam ao vento, pendentes de cordas.
Clarimundo ali está como um deus onipresente
que tudo vê e ouve. A impressão que ........
[45] causam aquelas cenas domésticas ........ levam
a pensar no seu livro.
A sua obra... Agora ele já não enxerga mais
a paisagem. O mundo objetivo se esvaeceu
misteriosamente. Os olhos do professor estão
[50] fitos na fachada amarela da casa fronteira, mas
o que ele vê agora são as suas próprias teorias
e ideias. Imagina o livro já impresso... Sorri,
exterior e interiormente. O leitor (a palavra
leitor corresponde, na mente de Clarimundo, à
[55] imagem dum homem debruçado sobre um livro
aberto: e esse homem — extraordinário! — é
sempre o sapateiro Fiorello) — o leitor vai se
ver diante dum assunto inédito, diferente,
original.
Adaptado de: VERISSIMO. Erico. Caminhos Cruzados . 26. ed. Porto Alegre/Rio de Janeiro: Editora Globo, 1982. p. 57-58.
Assinale a alternativa correta, acerca de palavras do texto.
palavra culminante (l. 01) é formada por derivação sufixal a partir do substantivo culmo.
A forma verbal olhar (l. 03) está empregada como verbo principal, em sua forma infinitiva, na locução verbal viaja o olhar (l. 02-03).
As palavras bergamoteiras (l. 05) e laranjeiras (l. 06) são formadas por processo de derivação prefixal e sufixal a partir de substantivos.
O adjetivo alta (l. 10) poderia ser substituído pelo advérbio alto, sem que se incorresse em erro gramatical.
Os advérbios levemente (l. 12), misteriosamente (l. 49) e interiormente (l. 53) são formados por derivação sufixal a partir de adjetivos.