Inimigos
O apelido de Maria Teresa, para Norberto, era “Quequinha”.
Depois do casamento, sempre que queria contar para os outros uma da sua mulher, o Norberto pegava sua mão, carinhosamente, e começava:
– Pois a Quequinha...
E a Quequinha, dengosa, protestava:
– Ora, Beto!
Com o passar do tempo, o Norberto deixou de chamar a Maria Teresa de Quequinha. Se ela estivesse ao seu lado e quisesse se
referir a ela, dizia:
– A mulher aqui...
Ou, às vezes:
– Esta mulherzinha...
Mas nunca mais de Quequinha.
(O tempo... O amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo. Este ataca em silêncio. Ele usa armas químicas.)
Com o tempo, Norberto passou a tratar a mulher por “Ela”.
– Ela odeia o Charles Bronson.
– Ah, não gosto mesmo.
Deve-se dizer que o Norberto, a esta altura, embora a chamasse de Ela, ainda usava um vago gesto de mão para indicá-la. Pior foi quando passou a dizer “essa aí” e apontar com o queixo.
– Essa aí...
E apontava com o queixo, até curvando a boca com um certo desdém.
(O tempo, o tempo captura o amor e não o mata na hora. Vai tirando uma asa, depois a outra...)
Hoje, quando quer contar alguma coisa da mulher, o Norberto nem olha na sua direção. Faz um meneio de lado com a cabeça e diz:
– Aquilo...
(Luís Fernando Veríssimo)
Com base na leitura do texto, pode-se afirmar que
o diminutivo em Quequinha tem o mesmo valor semântico que o empregado em mulherzinha.
o diminutivo e o aumentativo, em português, referem-se invariavelmente a “tamanho, dimensão”.
o diminutivo mulherzinha tem o mesmo valor semântico que o diminutivo na frase Que garotinho lindo!
há um processo de depreciação quando Norberto emprega o demonstrativo Aquilo para se referir à mulher.
na expressão A mulher aqui, o substantivo mulher foi empregado, no contexto, em oposição a marido.