II / São Francisco de Assis*
Senhor, não mereço isto. Mas entro e, senhor, me perco
Não creio em vós para vos amar. na rósea nave triunfal.
Trouxestes-me a São Francisco Por que tanto baixar o céu?
e me fazeis vosso escravo. por que esta nova cilada?
Não entrarei, senhor, no templo, Senhor, os púlpitos mudos
seu frontispício me basta. entretanto me sorriem.
Vossas flores e querubins Mais que vossa igreja, esta
são matéria de muito amar. sabe a voz de me embalar.
Daime, senhor, a só beleza Perdão, senhor, por não amarvos.
destes ornatos. E não a alma.
Pressente-se dor de homem,
paralela à das cinco chagas.
Carlos Drummond de Andrade
*O texto faz parte do conjunto de poemas “Estampas de Vila Rica”, que integra a edição crítica de Claro enigma. São Paulo: Cosac Naify, 2012
Um aspecto do poema em que se manifesta a persistência de um valor afirmado também no Modernismo da década de 1920 é o
destaque dado às características regionais
uso da variante oral-popular da linguagem
elogio do sincretismo religioso
interesse pelo passado da arte no Brasil
delineamento do poema em feitio de oração