ENEM 2016

Galinha cega

O dono correu atrás de sua branquinha, agarrou-a, lhe examinou os olhos. Estavam direitinhos, graças a Deus, e muito pretos. Soltou-a no terreiro e lhe atirou mais milho. A galinha continuou a bicar o chão desorientada. Atirou ainda mais, com paciência, até que ela se fartasse. Mas não conseguiu com o gasto de milho, de que as outras se aproveitaram, atinar com a origem daquela desorientação. Que é que seria aquilo, meu Deus do céu? Se fosse efeito de uma pedrada na cabeça e se soubesse quem havia mandado a pedra, algum moleque da vizinhança, aí… Nem por sombra imaginou que era a cegueira irremediável que principiava.
Também a galinha, coitada, não compreendia nada, absolutamente nada daquilo. Por que não vinham mais os dias luminosos em que procurava a sombra das pitangueiras? Sentia ainda o calor do sol, mas tudo quase sempre tão escuro. Quase que já não sabia onde é que estava a luz, onde é que estava a sombra.

GUIMARAENS, J. A. Contos e novelas. Rio de Janeiro: Imago, 1976 (fragmento).

Ao apresentar uma cena em que um menino atira milho às galinhas e observa com atenção uma delas, o narrador explora um recurso que conduz a uma expressividade fundamentada na

a
captura de elementos da vida rural, de feições peculiares.
b
caracterização de um quintal de sítio, espaço de descobertas.
c
confusão intencional da marcação do tempo, centrado na infância.
d
apropriação de diferentes pontos de vista, incorporados afetivamente.
e
fragmentação do conflito gerador, distendido como apoio à emotividade.
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Resposta
D
Tempo médio
2 min

Resolução

A questão pede para identificar o recurso explorado pelo narrador que fundamenta a expressividade do texto. O fragmento apresenta uma cena inicial sob a perspectiva do dono da galinha, que observa o comportamento estranho do animal, tenta alimentá-lo e especula sobre as causas da desorientação, sem perceber a gravidade da situação (a cegueira iminente). Em seguida, o foco narrativo muda para a própria galinha, descrevendo sua percepção confusa e a perda gradual da visão ("Por que não vinham mais os dias luminosos...? Sentia ainda o calor do sol, mas tudo quase sempre tão escuro.").

Este recurso de alternar o ponto de vista entre o observador humano (o dono) e o ser observado (a galinha), incorporando os sentimentos e percepções de ambos, é a chave para a expressividade do texto. O narrador não apenas descreve a cena externamente, mas "apropria-se" das perspectivas internas dos personagens, transmitindo a preocupação do dono e a angústia e confusão da galinha. A palavra "afetivamente" na alternativa D é crucial, pois indica que essa incorporação dos pontos de vista é carregada de emoção, o que intensifica o impacto da narrativa sobre o leitor.

Analisando as etapas para chegar à resposta:

  1. Leitura Atenta do Fragmento: Perceber a descrição inicial focada nas ações e pensamentos do dono, seguida por uma mudança para os sentimentos e sensações da galinha.
  2. Identificação do Foco do Enunciado: O enunciado pergunta sobre o *recurso* usado pelo narrador para criar *expressividade*.
  3. Análise do Recurso Narrativo Principal: Identificar que a mudança de perspectiva (do dono para a galinha) é o elemento central que permite ao leitor compreender a situação de forma mais profunda e emocional.
  4. Avaliação das Alternativas:
    • A e B focam no cenário rural, que é o contexto, mas não o principal recurso de expressividade explorado.
    • C menciona confusão temporal e infância, elementos não presentes ou centrais no texto. (Nota: Há uma pequena discrepância entre o texto, que diz "o dono", e o enunciado, que diz "um menino", mas isso não invalida a análise do ponto de vista).
    • E fala em fragmentação do conflito, o que não ocorre; o conflito (cegueira) é apresentado de forma direta através das perspectivas.
    • D descreve precisamente a técnica utilizada: a apropriação de diferentes pontos de vista (dono e galinha) de forma afetiva (transmitindo emoções).
  5. Conclusão: A alternativa D é a que melhor descreve o recurso narrativo central responsável pela expressividade do fragmento.

Dicas

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Observe como a narrativa primeiro descreve o que o dono pensa e faz.
Note o momento em que o texto passa a descrever o que a galinha sente e percebe.
Pense em como essa mudança de perspectiva afeta a maneira como você, leitor, entende e se sente sobre a situação.

Erros Comuns

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Focar excessivamente no cenário rural e escolher a alternativa A ou B.
Não perceber a mudança de ponto de vista entre o dono e a galinha.
Interpretar mal o significado de "apropriação de diferentes pontos de vista" ou "incorporados afetivamente".
Confundir a descrição da confusão da galinha com uma "confusão intencional da marcação do tempo" (alternativa C).
Achar que o conflito está sendo "fragmentado" ou "distendido" (alternativa E), quando na verdade ele está sendo revelado progressivamente através das perspectivas.
Revisão

Para resolver esta questão, é importante entender o conceito de Ponto de Vista ou Foco Narrativo em literatura. Refere-se à perspectiva a partir da qual a história é contada.

  • Narrador em Terceira Pessoa Onisciente: Sabe tudo sobre a história, incluindo os pensamentos e sentimentos de múltiplos personagens. Ele pode mover o foco de um personagem para outro, como ocorre no fragmento.
  • Narrador em Terceira Pessoa Observador: Relata apenas o que pode ser observado externamente, sem acesso aos pensamentos dos personagens.
  • Narrador em Primeira Pessoa: A história é contada por um personagem que participa dela (narrador-personagem).

No texto, o narrador é em terceira pessoa, mas adota uma postura onisciente ao revelar tanto os pensamentos do dono quanto as sensações da galinha. Essa capacidade de alternar o foco e acessar a interioridade dos personagens (mesmo um animal, de forma antropomorfizada) é um recurso poderoso para gerar empatia e expressividade.

26%
Taxa de acerto
2.3
Média de pontos TRI
Habilidade

Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.

Porcentagem de alternativa escolhida por nota TRI
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