Fragmento 1
Quem foi esse tal de Archanjo? Alguma figura exponencial, um professor, um doutor, um luminar, um prócer político, ao menos um comerciante rico? Nada disso: um reles bedel da Faculdade de Medicina, pouco mais que um mendigo, praticamente um operário. Espumava o insigne cidadão e eu não lhe nego motivos para tamanha cólera. Dedicara sua existência a clamar contra o porneia, a dissolução dos costumes, os maiôs, Marx e Lênin, o abastardamento da língua portuguesa, “última flor do Lácio”, e que resultados obtivera? Nenhum: impera a pornografia nos livros, no teatro, no cinema e na vida; a dissolução dos costumes fez-se normalidade quotidiana, as moças conduzem a pílula junto ao terço, os maiôs viraram biquínis e olhe lá; como se não bastassem Marx e Lênin, aí estão Mao- Tse-Tung e Fidel Castro, sem falar nos padres, todos eles possuídos do demônio; quanto a livros e língua portuguesaos tomos do ilustre acadêmico, vazados no terso e castiço idioma de Camões e publicados por conta do autor, jazem nas prateleiras das livrarias, em eterna consignação, enquanto vendem-se aos milhares os livros daqueles escribas que desprezam as regras da gramática e reduzem a língua dos clássicos a um subdialeto africano.
AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 5. ed. São Paulo: Martins, 1970. p. 66.
Fragmento 2
“Não há no mundo gente melhor do que vocês, povo mais civilizado do que o povo mulato da Bahia”, dissera a sueca ao despedir-se na Tenda dos Milagres, em conversa com Lídio, Budião e Aussá. Chegara de longe, vivera com eles, dizia por saber, um saber sem restrições ou dúvidas, de real conhecimento. Por que então o doutor Nilo Argolo – catedrático de Medicina Legal na Faculdade e mentor científico da congregação, com renome de sábio e descomunal biblioteca — escrevera sobre os mestiços da Bahia ... ?
AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 5. ed. São Paulo: Martins, 1970. p. 119.
Comparando-se os fragmentos destacados do romance Tenda dos Milagres e considerando-se a totalidade da obra, fica evidente
um contraste na ideologia subjacente a cada discurso, que se percebe nas duas formações discursivas opostas em seus personagens.
uma afinidade ideológica entre os dois discursos, já que abordam temas semelhantes com formações análogas.
um distanciamento ideológico entre os pontos de vista, uma vez que esses apresentam argumentos inverossímeis para justificar seus posicionamentos.
um discurso ideológico que converge para a mesma conclusão, embora apresentem argumentos divergentes.
dois métodos de argumentação divergentes que se encaminham para um ponto em comum, embora sigam linhas ideológicas distintas.