Fotos, macacos e deuses
Segundo a Wikipedia, o direito autoral do autorretrato, o "selfie" para usar o termo da moda, que uma macaca fez
com o equipamento que furtara de um fotógrafo pertence ao animal. A discussão surgiu porque David Slater, o dono
da máquina, pedira aos editores da enciclopédia que retirassem a imagem por violação de direitos autorais.
Como piada, a argumentação da Wikipedia funciona bem. Receio, porém, que essa linha de raciocínio deixe uma
[5] fronteira jurídica desguarnecida. Se os direitos pertencem à macaca, por que instrumento legal 5 ela os cedeu à
enciclopédia?
Não são, entretanto, questiúnculas jurídicas que eu gostaria de discutir aqui, mas sim a noção de autoria.
Obviamente ela transcende à propriedade do equipamento. Se a foto não tivesse sido tirada por uma macaca, mas
por um outro fotógrafo com a máquina de Slater, ninguém hesitaria em creditar a imagem a esse outro profissional.
[10] Só que não é tão simples. Imaginemos agora que Slater está andando pela trilha e, sem querer, deixa seu aparelho
cair no chão, de modo que o disparador é acionado. Como que por milagre, a máquina registra uma imagem
maravilhosa, que ganha inúmeros prêmios. Neste caso, atribuir a foto a Slater não viola nossa intuição de autoria,
ainda que o episódio possa ser descrito como uma obra do acaso e não o resultado de uma ação voluntária.
A questão prática aqui é saber se o "selfie" da macaca está mais para o caso do fotógrafo que usa a máquina de
[15] outro profissional ou para o golpe de sorte. E é aqui que as coisas vão ficando complicadas. Fazê-lo implica não só
decidir quanta consciência devemos atribuir à símia mas também até que ponto estamos dispostos a admitir que
nossas vidas são determinadas pelo aleatório. E humanos, por razões evolutivas, temos verdadeira alergia ao
fortuito. Não foi por outro motivo que inventamos tantos panteões de deuses.
(Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo, 09/08/2014)
No texto, as orações subordinadas “que ganha inúmeros prêmios” (ℓ. 13) e “que usa a máquina de outro profissional” (ℓ. 15 e 16), têm respectivamente sentido de
consequência e restrição.
causa e explicação.
explicação e restrição.
restrição e consequência.
realce e comparação.