Figura o anúncio em um jornal que o amigo me mandou, e está assim redigido:
À procura de uma besta. – A partir de 6 de outubro do ano cadente, sumiu-me uma besta vermelho-escura com os seguintes característicos: calçada e ferrada de todos os membros locomotores, um pequeno quisto na base da orelha direita e crina dividida em duas seções em consequência de um golpe, cuja extensão pode alcançar de quatro a seis centímetros, produzidopor jumento.
Essa besta, muito domiciliada nas cercanias deste comércio, é muito mansa e boa de sela, e tudo me induz ao cálculo de que foi roubada, assim que hão sido falhas todas as indagações.
Quem, pois, apreendê-la em qualquer parte e a fizer entregue aqui ou pelo menos notícia exata ministrar, será razoavelmente remunerado. Itambé do Mato Dentro, 19 de novembro de 1899. (a) João Alves Júnior.
Cinquenta e cinco anos depois, prezado João Alves Júnior, tua besta vermelho-escura, mesmo que tenha aparecido, já é pó no pó. E tu mesmo, se não estou enganado, repousas suavemente no pequeno cemitério de Itambé. Mas teu anúncio continua um modelo no gênero, se não para ser imitado, ao menos como objeto de admiração literária. Reparo antes de tudo na limpeza de tua linguagem. Não escreveste apressada e toscamente, como seria de esperar de tua condição rural. Pressa, não a tiveste, pois o animal desapareceu a 6 de outubro, e só a 19 de novembro recorreste à Cidade de Itabira. Antes, procedeste a indagações. Falharam. Formulaste depois um raciocínio: houve roubo. Só então pegaste da pena, e traçaste um belo e nítido retrato da besta.
Não disseste que todos os seus cascos estavam ferrados; preferiste dizê-lo “de todos os seus membros locomotores”. Nem esqueceste esse pequeno quisto na orelha e essa divisão da crina em duas seções, que teu zelo naturalista e histórico atribuiu com segurança a um jumento.
Por ser “muito domiciliada nas cercanias deste comércio”, isto é, do povoado e sua feirinha semanal, inferiste que não teria fugido, mas antes foi roubada. Contudo, não o afirmas em tom peremptório: “tudo me induz a esse cálculo”. Revelas aí a prudência mineira, que não avança (ou não avançava) aquilo que não seja a evidência mesma. É cálculo, raciocínio, operação mental e desapaixonada como qualquer outra, e não denúncia formal.
Finalmente – deixando de lado outras excelências de tua prosa útil – a declaração final: quem a apreender ou pelo menos “notícia exata ministrar”, será “razoavelmente remunerado”. Não prometes recompensa tentadora; não fazes praça de generosidade ou largueza; acenas com o razoável, com a justa medida das coisas, que deve prevalecer mesmo no caso de bestas perdidas e entregues.
Já é muito tarde para sairmos à procura de tua besta, meu caro João Alves do Itambé; entretanto essa criação volta a existir, porque soubeste descrevê-la com decoro e propriedade, num dia remoto, e o jornal a guardou e alguém hoje a descobre, e muitos outros são informados da ocorrência. Se lesses os anúncios de objetos e animais perdidos, na imprensa de hoje, ficarias triste. Já não há essa precisão de termos e essa graça no dizer, nem essa moderação nem essa atitude crítica. Não há, sobretudo, esse amor à tarefa bem-feita, que se pode manifestar até mesmo num anúncio de besta sumida.
(Fala, amendoeira, 2012.)
“Cinquenta e cinco anos depois, prezado João Alves Júnior, tua besta vermelho-escura, mesmo que tenha aparecido, já é pó no pó.” (2o parágrafo)
Em relação ao período do qual faz parte, a oração destacada exprime ideia de
comparação.
concessão.
consequência.
conclusão.
causa.
Passo a passo da solução:
Identificar a oração destacada: A questão pede a análise da oração "mesmo que tenha aparecido" dentro do período "Cinquenta e cinco anos depois, prezado João Alves Júnior, tua besta vermelho-escura, mesmo que tenha aparecido, já é pó no pó."
Localizar o conectivo: A oração destacada é introduzida pela locução conjuntiva "mesmo que".
Reconhecer o tipo de oração: Orações introduzidas por "mesmo que" são classificadas como orações subordinadas adverbiais.
Determinar o valor semântico da conjunção: A locução conjuntiva "mesmo que" (assim como "embora", "ainda que", "apesar de que", "se bem que", etc.) introduz uma ideia de concessão. Uma oração concessiva expressa um fato ou argumento contrário ao da oração principal, mas que não é suficiente para impedir o que se declara nela.
Analisar a relação entre as orações no período:
Concluir: A oração destacada expressa uma ideia de concessão em relação à oração principal.
Verificar as alternativas: A alternativa que corresponde à ideia de concessão é a B.
Revisão de Conceitos: Orações Subordinadas Adverbiais Concessivas
As Orações Subordinadas Adverbiais são aquelas que exercem a função de adjunto adverbial da oração principal, acrescentando-lhe uma circunstância (tempo, modo, causa, finalidade, etc.).
As Orações Subordinadas Adverbiais Concessivas expressam uma ideia de concessão. Isso significa que elas apresentam um fato que poderia opor-se à realização do que é declarado na oração principal, mas não o impede. É como admitir um obstáculo ou uma ideia contrária, que, no entanto, é superado ou não prevalece.
As principais conjunções e locuções conjuntivas que introduzem orações concessivas são:
Exemplo: "Embora estivesse chovendo, fomos à praia." (A chuva poderia impedir a ida à praia, mas não impediu – ideia de concessão).
No caso da questão, "mesmo que tenha aparecido" admite a possibilidade da aparição da besta, mas isso não impede o fato de que, 55 anos depois, ela "já é pó no pó".