[...] Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha.
— Está aí.
Se aprendesse qualquer coisa, necessitaria aprender mais, e nunca ficaria satisfeito.
Lembrou-se de seu Tomás da bolandeira. Dos homens do sertão o mais arrasado era seu Tomás da bolandeira. Por quê? Só se era porque lia demais. Ele, Fabiano, muitas vezes dissera: — “seu Tomás, vossemecê não regula. Para que tanto papel? Quando a desgraça chegar, seu Tomás se estrepa, igualzinho aos outros.” Pois viera a seca, o pobre do velho, tão bom e tão lido, perdera tudo, andava por aí, mole. Talvez já tivesse dado o couro às varas, que pessoa como ele não podia aguentar verão puxado.
Certamente aquela sabedoria inspirava respeito. Quando seu Tomás da bolandeira passava, amarelo, sisudo, corcunda, montado num cavalo cego, pé aqui, pé acolá, Fabiano e outros semelhantes descobriam-se. E seu Tomás respondia tocando na beira do chapéu de palha, virava-se para um lado e para outro, abrindo muito as pernas calçadas em botas pretas com remendos vermelhos.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 65ª ed. Rio; São Paulo: Record, 1994. p. 21-22.
O fragmento em destaque, inserido na obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, permite que se considere incorreto afirmar que
revela a consciência de Fabiano de que a estiagem é um infortúnio abrangente, devastador.
serve como exemplificação dos três tipos de discurso usados na narrativa: direto, indireto e indireto livre.
deixa implícita a ideia de “bolandeira” como uma engrenagem civilizatória e o reflexo disso no imaginário do sertanejo.
prenuncia o que se observa, posteriormente, no final da narrativa: a concepção do vaqueiro de que civilização é prosperidade, liberdade de ação.
mostra a admiração da personagem em foco por Tomás da bolandeira e a consideração que os demais também tinham por ele, homem que sabia ler e votava.