Eu era ainda muito criança, mas sabia uma infinidade de coisas que os adultos ignoravam. Sabia que não se deve responder aos cumprimentos dos glimerinos, aquela raça de anões que a gente encontra quando menos espera e que fazem tudo para nos distrair de nossa missão; sabia que nos lugares onde a mãe-do-ouro aparece à flor da terra não se deve abaixar nem para apertar os cordões dos sapatos, a cobiça está em toda parte e morde manso; sabia que ao ouvir passos atrás ninguém deve parar nem correr, mas manter a marcha normal, quem mostrar sinais de medo estará perdido na estrada.
A estrada é cheia de armadilhas, de alçapões, de mundéus perigosos, para não falar em desvios tentadores, mas eu podia percorrê-la na ida e na volta de olhos fechados sem cometer o mais leve deslize.
VEIGA, José J. Fronteira. Os cavalinhos de Platiplanto: Contos. 18. ed. Rio de Janeiro: Beirrand Brasil, 1989. p. 61.
José J. Veiga é um escritor representativo da corrente denominada realismo mágico ou fantástico.
Tal realismo, provocador de uma sensação de estranhamento, encontra-se presente no texto por meio de um narrador que
ironiza a sabedoria acumulada com os anos.
se nivela aos mais velhos em conhecimento acerca da vida.
se mostra inseguro diante dos desafios que a vida lhe oferece.
questiona as fronteiras estabelecidas entre o real e o imaginário.
se revela ao leitor através de uma inversão da ordem natural das coisas.