ENEM 2011
Estrada
Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.
BANDEIRA, M. O ritmo dissoluto. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967.
A lírica de Manuel Bandeira é pautada na apreensão de significados profundos a partir de elementos do cotidiano. No poema Estrada, o lirismo presente no contraste entre campo e cidade aponta para
desejo do eu lírico de resgatar a movimentação dos centros urbanos, o que revela sua nostalgia com relação à cidade.
a percepção do caráter efêmero da vida, possibilitada pela observação da aparente inércia da vida rural
a opção do eu lírico pelo espaço bucólico como possibilidade de meditação sobre a sua juventude.
a visão negativa da passagem do tempo, visto que esta gera insegurança.
a profunda sensação de medo gerada pela reflexão acerca da morte.
Resolução
A questão pede para identificar o que o lirismo presente no contraste entre campo e cidade aponta no poema "Estrada", de Manuel Bandeira. Para resolver, devemos analisar como o eu lírico descreve e compara esses dois ambientes e qual reflexão surge dessa comparação.
- Identificação do Contraste: O poema inicia estabelecendo uma preferência pela estrada rural em detrimento da avenida urbana: "Esta estrada onde moro [...] Interessa mais que uma avenida urbana".
- Caracterização da Cidade: A cidade é vista como um lugar de homogeneidade: "Nas cidades todas as pessoas se parecem. / Todo mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente".
- Caracterização do Campo (Estrada): O campo é apresentado como um espaço de individualidade e singularidade: "Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma. / Cada criatura é única. / Até os cães". A vida rural, com seus acontecimentos cotidianos ("Enterro a pé ou a carrocinha de leite"), possui um "caráter impressivo que faz meditar".
- Reflexão Final: A observação do ambiente rural culmina em uma reflexão sobre a passagem do tempo, simbolizada pelo "murmúrio da água": "Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos, / Que a vida passa! que a vida passa! / E que a mocidade vai acabar."
- Conclusão: O contraste serve para valorizar a vida no campo, não por uma idealização ingênua, mas porque sua aparente simplicidade e a singularidade de seus elementos permitem uma observação mais atenta e uma meditação mais profunda. Essa meditação leva o eu lírico a perceber a transitoriedade da existência, a efemeridade da vida ("Que a vida passa!"). A observação do cotidiano rural, que pode parecer mais lento ou até inerte em comparação com a agitação urbana, paradoxalmente possibilita essa consciência da passagem do tempo.
Portanto, o lirismo do contraste aponta para a percepção do caráter efêmero da vida, que é despertada pela observação da vida rural. Isso corresponde à alternativa B.
Dicas
Erros Comuns
Revisão de Conceitos
- Lirismo: Expressão de sentimentos, emoções e subjetividade do eu lírico no texto poético.
- Manuel Bandeira: Poeta brasileiro da primeira geração do Modernismo, conhecido por abordar temas como o cotidiano, a melancolia, a doença, a morte e a passagem do tempo com uma linguagem coloquial e aparentemente simples, mas carregada de profundidade lírica.
- Contraste Campo vs. Cidade: Um tema recorrente na literatura, explorando as diferenças entre os modos de vida, valores e percepções associados a cada ambiente. Frequentemente, o campo é associado à tranquilidade, autenticidade e contato com a natureza (propício à reflexão), enquanto a cidade é ligada à agitação, artificialidade e massificação.
- Simbolismo: Uso de elementos concretos (como o "murmúrio da água") para representar ideias abstratas (como a passagem do tempo e a efemeridade da vida).
Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
