“Estou contando ao senhor, que carece de um explicado. Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada. A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar. A senvergonhice reina, tão leve e leve pertencidamente, que por primeiro não se crê no sincero sem maldade. Está certo, sei. Mas ponho minha fiança: homem muito homem que fui, e homem por mulheres!, nunca tive inclinação pra aos vícios desencontrados. Repilo o que, o sem preceito. Então, o senhor me perguntará, o que era aquilo? Ah, lei ladra, o poder da vida. Direitinho declaro o que, durando todo o tempo, sempre mais, às vezes menos, comigo se passou (...).”
Grande Sertão: veredas. João Guimarães Rosa. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
Ainda que Guimarães Rosa retrate o sertão das Gerais – sul da Bahia, norte de Minas e norte e nordeste de Goiás – e a gente que vive ali, em particular matutos, vaqueiros, crianças, velhos, feiticeiros, loucos, sua obra não prioriza questões regionais, mas universais.
Na obra de Guimarães Rosa, observa-se que o sertanejo
vive um impasse existencial que pode ser vivido e/ou compreendido por qualquer um, em qualquer espaço.
vive uma realidade fantasiosa compreendida apenas por aqueles que conhecem o drama da vida sertaneja.
representa a concretização de um mundo irreal que nasce do delírio fantasioso de um autor, quase sempre, desligado da realidade.
vive dramas oriundos de sua origem humilde e, portanto, não ocorridos em outros níveis sociais.
vivencia dramas exclusivos do meio urbano e, sem dúvida, jamais vividos pelo homem do campo.