ESCRIVÃO − Pois Vossa Senhoria não sabe despachar?
JUIZ − Eu? Ora, essa é boa! Eu entendo cá disso? Ainda quando é algum caso de umbigada, passe; mas casos sérios é outra coisa. Eu lhe conto o que me ia acontecendo um dia. Um meu amigo me aconselhou que, todas as vezes que eu não soubesse dar despacho, que desse o seguinte: "Não tem lugar”. Um dia, apresentaram-me um requerimento de certo sujeito, queixando-se que sua mulher não queria viver com ele, etc. Eu, não sabendo que despacho dar, dei o seguinte: "Não tem lugar”. Isto mesmo é o que queria a mulher; porém o marido fez uma bulha de todos os diabos; foi à cidade, queixou-se ao Presidente, e eu estive quase não quase suspenso. Nada, não me aconteceu outra.
ESCRIVÃO − Vossa Senhoria não se envergonha, sendo um juiz de paz?
JUIZ − Envergonhar-me de quê? O senhor ainda está muito de cor. Aqui para nós, que ninguém nos ouve, quantos juízes de direito há por estas comarcas que não sabem onde têm sua mão direita, quanto mais juízes de paz ... E além disso, cada um faz o que sabe.
(Martins Pena. O juiz de paz na roça. O noviço. São Paulo: O Estado de São Paulo/Klick Editora, 1997. p126-127)
Esse trecho de Martins Pena faz lembrar que, nos textos das peças teatrais,
torna-se imprescindível que a narração assuma a terceira pessoa, de modo a configurar um narrador onisciente.
a tensão dramática deriva da alternância entre o ponto de vista do narrador e a perspectiva das personagens.
há ganho estético com a busca dos efeitos estilísticos usualmente promovidos pelo discurso indireto livre.
o narrador busca interpretar o mais fielmente possível o que pensa ou proclama cada uma das personagens.
a encenação a que se destinam leva a que todas as frases se formulem como discurso direto das personagens.