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"Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo.
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O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando os que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante."
E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados. Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhandolhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
(AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo. Ática, 1975)
Segundo a leitura do texto, bem como conheci-mentos correlatos à obra e à estética literária natu-ralista é correto afirmar que:
Nos trechos: "Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça", há orações subordi-nadas adjetivas explicativas, devido ao uso da vírgula.
A narrativa em 3ª pessoa descreve um ambiente pitoresco e hostil, em que o coletivo urge para fi-gurar o ambiente urbano e rústico das cidades em formação.
O romance naturalista sublinhava os aspectos mais brutais do meio e, por isso, o ser humano era tratado fora de seu contexto social.
"O cortiço" pode ser considerado o romance da multidão: Aluísio Azevedo utiliza as personagens com o intuito de espelhar o surgimento de uma nova classe social em fins do século XIX.
Ainda que fosse conterrâneo de Rita Baiana, Je-rônimo impressionava-se com a beleza e sensua-lidade da mulata, como se pode notar na descri-ção do último parágrafo.