Domingo ela acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer
nada.
O pior momento de sua vida era nesse dia ao fim da tarde: caía
em meditação inquieta, o vazio do seco domingo. Suspirava. Tinha
[5] saudade de quando era pequena – farofa seca – e pensava que fora
feliz. Na verdade por pior a infância é sempre encantada, que susto.
Nunca se queixava de nada, sabia que as coisas são assim mesmo
e – quem organizou a terra dos homens? [...] Juro que não posso
fazer nada por ela. Afianço-vos que se eu pudesse melhoraria as
[10] coisas. Eu bem sei que dizer que a datilógrafa tem o corpo cariado
é um dizer de brutalidade pior que qualquer palavrão.
Clarice Lispector, A hora da estrela
Assinale a alternativa correta.
Um narrador de terceira pessoa, observador, descreve, “de fora”, a figura feminina; essa distância justifica o seguinte comentário: Juro que não posso fazer nada por ela [...] se eu pudesse melhoraria as coisas (linhas de 08 a 10).
O relato põe em evidência traços caracterizadores da personagem: o rancor (meditação inquieta, o vazio do seco domingo – linha 04) e a frustração (Tinha saudade – linhas 04 e 05).
O tempo da narração coincide com o tempo dos acontecimentos vivenciados pela personagem, como prova o uso do imperfeito – acordava (linha 01) – e do pronome “esse” (nesse, linha 03).
Há segmentos que expressam a fusão das vozes no fluxo narrativo, como, por exemplo, que susto (linha 06).
Embora o narrador deixe no relato índices de sua rejeição às atitudes da personagem – a referência à preguiça (linhas 01 e 02), por exemplo – evita tratá-la de forma desrespeitosa, como prova o uso do pronome vos (linha 09).