Domingo ela acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer
nada.
O pior momento de sua vida era nesse dia ao fim da tarde: caía
em meditação inquieta, o vazio do seco domingo. Suspirava. Tinha
[5] saudade de quando era pequena – farofa seca – e pensava que fora
feliz. Na verdade por pior a infância é sempre encantada, que susto.
Nunca se queixava de nada, sabia que as coisas são assim mesmo
e – quem organizou a terra dos homens? [...] Juro que não posso
fazer nada por ela. Afianço-vos que se eu pudesse melhoraria as
[10] coisas. Eu bem sei que dizer que a datilógrafa tem o corpo cariado
é um dizer de brutalidade pior que qualquer palavrão.
Clarice Lispector, A hora da estrela
Nas alternativas abaixo transcrevem-se adaptações de comentários críticos colhidos em bibliografia especializada. Todos referem-se à produção de Clarice Lispector, EXCETO:
A linguagem contém como que uma armadilha: a sua simplicidade enganosa. Nem pela escolha dos vocábulos, nem por sua construção frásica parece ultrapassar um tom de coloquialismo e de narração sem surpresas.
É essa existência absurda, ameaçadora e estranha, revelando-se nos indivíduos e a despeito deles, o único fundo permanente de encontro ao qual as personagens se destacam e de onde tiram a densidade humana que as caracteriza.
Em sua ficção, o cotidiano é, a partir de certo momento, completamente desagregado.
Numa obra literária, para que o jogo da linguagem tenha a propriedade reveladora, é necessário que a linguagem, além de ser instrumento da ficção, seja também, de certo modo, o seu objeto, como de fato ocorre nos textos da autora.
O mitopoético foi a solução romanesca adotada pela autora. Uma obra de tão aguda modernidade que, paradoxalmente, se nutre de velhas tradições, as mesmas que davam à gesta dos cavaleiros feudais a aura do convívio com o sagrado e o demoníaco.