Doação de órgãos e transplantes: o tráfico de órgãos
O Brasil tinha, em 2014, pouco mais de 38 mil pacientes à espera por um transplante. Para muitos, a espera pode durar meses ou anos. Quanto vale um rim para quem precisa? E para quem não precisa e quer vender? [...]
O tráfico é a face mais sombria dos transplantes de órgãos. Até uma comissão parlamentar de inquérito foi criada na Câmara para investigar o tema. O crime é de alta complexidade, segundo a CPI, e acontece nos melhores hospitais do país. [...]
A CPI do Tráfico de Órgãos investigou três grandes casos que ocorreram no Brasil antes de 2004. O primeiro, em Pernambuco, era de aliciamento de pessoas de baixa renda para vender um de seus rins. Desse caso, tratamos na matéria de ontem desta série. Os outros dois casos ocorreram em Taubaté, São Paulo, e Poços de Caldas, Minas Gerais, e envolviam a retirada e o transplante ilegal de órgãos, inclusive de pacientes vivos. O ex-deputado Neucimar Fraga relembra um depoimento que ouviu, durante a CPI, sobre o caso paulista: “No caso de Taubaté, teve a enfermeira, que era chefe da enfermagem do hospital, ela testemunhou na CPI e teve casos onde o paciente que foi diagnosticado com morte cerebral, ao ter os órgãos retirados, ele reagiu com estímulos e a enfermeira disse: 'Doutor, mas esse paciente não está morto'. E ela disse na CPI que o médico pegou o bisturi, foi em cima do coração, perfurou o coração e disse: ‘Ele está morto, sim.’ Pronto! Acabou a cena.”
O caso de Poços de Caldas foi o que deu origem à CPI, pois, segundo Neucimar Fraga, foi o pai da vítima que procurou os deputados para denunciar o que considerava ter sido o homicídio de seu filho, à época com dez anos de idade. A criança, Paulo Veronesi Pavesi, estava brincando no parquinho, se debruçou na grade de proteção e caiu de uma altura de pouco menos de 10 metros. Chegou ao hospital consciente e conversando. Depois de passar por cirurgia, veio o diagnóstico de morte encefálica e o pedido de doação dos órgãos, que foi autorizado pelo pai, Paulo Aírton Pavesi. Mas alguns acontecimentos seguintes o fizeram desconfiar do que havia ocorrido e Paulo Pavesi decidiu denunciar o caso às autoridades. Depois disso, outros sete casos semelhantes foram descobertos e investigados, levando à condenação, em primeira instância, de alguns médicos. Vamos ouvir o que diz Paulo Pavesi sobre a ação dos médicos investigados: “Existe uma lei, existem protocolos, eles simplesmente ignoram os protocolos, protocolo de diagnóstico de morte encefálica nunca é cumprido. Eles pegam uma pessoa em coma, eles pegam a pessoa como morta, quando, na verdade, tem um protocolo para verificar a morte. Isso foi comprovado mais de oito vezes só nesse grupo, só nesse caso. Os exames de morte encefálica desapareceram todos, de todos os casos. Eles não fazem os exames como devem ser feitos. Aí que está o homicídio, ele pega uma pessoa em coma e transforma em doador. É mais rentável.”
O passo a passo para se chegar ao diagnóstico de morte encefálica está previsto em resolução de 1997 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Em resumo, duas avaliações clínicas minuciosas devem ser realizadas por médicos diferentes e, ao final, pelo menos um exame complementar precisa ser feito. Nenhum dos médicos pode ser membro de equipe de retirada de órgãos e transplante. O conselheiro federal e neurologista Hideraldo Cabeça explica quais são os primeiros indícios de morte encefálica: “Não há reações ao estímulo doloroso, por mais que você belisque fortemente alguém; não há nenhum estímulo à luz ao observar as pupilas do indivíduo; não há nenhuma resposta na movimentação dos olhos, seja o movimento do próprio médico na cabeça do paciente, seja estimulando esse olho do indivíduo com estruturas específicas e delicadas que a gente utiliza na avaliação desses reflexos; na utilização de instrumentos na estimulação da dor. Então, não há nenhuma resposta, o indivíduo não sente nada, ou seja, ele não tem nenhuma percepção nem de si próprio, nem do meio externo.”
Hideraldo Cabeça explica ainda que, antes de começar os exames para diagnóstico de morte encefálica, o médico precisa excluir todas as outras explicações possíveis para a falta de reatividade do paciente. Por exemplo, se o indivíduo é diabético e teve hipoglicemia, se a temperatura do corpo está muito baixa, se ele tiver ingerido álcool, calmantes ou outras drogas. Seguindo todos os protocolos de forma completa, diz o neurologista, não há possibilidade de equívoco.
Após denunciar o que tinha ocorrido com seu filho, Paulo Pavesi diz ter sido ameaçado e, por isso, solicitou e recebeu asilo na Itália. Hoje, ele é cidadão europeu e ainda vive fora do Brasil. Apesar de os últimos casos denunciados terem ocorrido há mais de 10 anos, Pavesi acredita que eles ainda ocorram, mas não são denunciados: “Ninguém pode discutir transplante. Você só pode falar bem. Se você for questionar alguma coisa, você é tachado de maluco. Se você publicar hoje no jornal que existe tráfico de órgão, no dia seguinte você vai receber um monte de ameaça, um monte de pressão para que você volte atrás.”
O ex-deputado Neucimar Fraga não é tão categórico ao afirmar que os crimes ainda ocorram, mas desconfia que sim. Portanto, ele aconselha as famílias a se informar muito bem sobre os exames feitos em seu parente antes de autorizar a doação dos órgãos. A lei que regulamenta a doação de órgãos no Brasil autoriza a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação da morte encefálica.
Texto adaptado de: Reportagem – Verônica Lima, 22/02/2016, 8h4. Edição – Márcio Sardi e Mauro Ceccherini Produção – Lucélia Cristina e Cristiane Baker Trabalhos técnicos – Carlos Augusto de Paiva Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/REPORTAGEM-ESPECIAL/504189- DOACAO-DE-ORGAOS-E-TRANSPLANTES-O-TRAFICO-DE-ORGAOS-BLOCO-4.html. Acesso em: 6 fev. 2019.
Examine a estrutura morfossintática e semântica do título e dos parágrafos 1 e 2, para verificar quais afirmações seguintes estão corretas ou não.
1. [Doação de órgãos e transplantes: o tráfico de órgãos] é o nome dado ao texto que, pela disposição da ordem e do desenvolvimento, expõe o termo [Doação] em primeiro lugar, em detrimento do termo [tráfico], que é o foco principal.
2. Na elaboração do título não há demonstração de plenos conhecimentos sobre ‘concisão e função referencial do texto jornalístico’, necessários aos profissionais do jornalismo.
3. No contexto da reportagem, tráfico ou doação de órgãos é meio e transplante destes é o fim principal.
4. Em [O Brasil tinha, em 2014, pouco mais de 38 mil pacientes], [tinha] significa posse perfeita e irreversível, que houve e pode voltar a haver ou variar.
5. Em [O Brasil tinha, em 2014, pouco mais de 38 mil pacientes], [pouco mais de] exerce função circunstancial que não modifica o sentido de [tinha], mas modifica o sentido do numeral [38 mil].
6. [Quanto vale um rim para quem precisa? E para quem não precisa e quer vender?] é um trecho no qual existe a figura de linguagem denominada zeugma, um tipo de elipse.
7. [Quanto vale um rim para quem precisa? E para quem não precisa e quer vender?] é um trecho no qual o verbo remete, respectivamente, tanto a valores materiais, calculáveis, quanto a valores imateriais, incalculáveis.
8. O [tráfico] implica em ação ilegal praticada por uma única pessoa, em razão da necessidade de absoluto sigilo, na frase: [O tráfico é a face mais sombria dos transplantes de órgãos].
9. [Até] exerce função consecutiva do significado do período anterior, no seguinte trecho: [O tráfico é a face mais sombria dos transplantes de órgãos. Até uma comissão parlamentar de inquérito foi criada na Câmara para investigar o tema.].
10. Em [O crime é de alta complexidade, segundo a CPI, e acontece nos melhores hospitais do país.], [e acontece nos] denigre a imagem dos [melhores hospitais do país.]
Em qual das alternativas seguintes está a soma dos números das afirmações incorretas?
12.
19.
24.
29.
34.