Dez anos de Flip
Ao mesmo tempo, poucos eventos culturais despertam reações tão contraditórias quanto a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), desde que, há dez anos, ela fez de Paraty uma das capitais mundiais da literatura. Recorrendo à polarização proposta por Umberto Eco décadas atrás, há os apocalípticos e os integrados. Para os primeiros, a Flip é um show midiático patrocinado pelas grandes corporações da vida editorial, uma prova de como o capitalismo compra e corrompe tudo – e podemos encontrar sinais de "apocalipse" até no insuspeito escritor Jonathan Franzen (capa da Time como "o romancista da América"). Em sua palestra lembrou que, ao chegar a Paraty, encontrou placas enormes com propaganda de um cartão de crédito e, sussurrou, conspirador, "isso já diz muita coisa". Os americanos também adoram falar mal do dinheiro.
Franzen é um realista de carteirinha. Mas outro grande escritor, este de vocação nefelibata, o espanhol Enrique Vila-Matas, denuncia com uma certa volúpia a "extinção da literatura", entregue hoje ao horror das leis do mercado. Bem, não tomemos ao pé da letra a afirmação, uma licença poética transcendente – segundo o clássico gosto ibérico, a realidade é uma consequência do desejo, e não o contrário. A ideia apocalíptica pressupõe uma utopia poética, mas também política, redentora e pura, onde a arte, enfim, brilhará como um diamante intocado pelo mundo real.
Enquanto isso não acontece, os integrados leem livros, pedem autógrafos, lotam as tendas da Flip, bebem cachaça, passeiam pela cidade histórica, conversam fiado, odeiam alguns autores e amam outros; há um clima de devoção e um culto das celebridades que faz parte do pacote (a diária num hotel de Paraty durante a Flip é uma das mais caras do mundo).
(Adaptado de TEZZA, Cristovão. Dez anos de Flip. Gazeta do Povo, 30 jul. 2012.)
Em sua apresentação do ponto de vista apocalíptico sobre a literatura, Tezza afirma: “A ideia apocalíptica pressupõe uma utopia poética, mas também política, redentora e pura, onde a arte, enfim, brilhará como um diamante intocado pelo mundo real”. Segundo o autor, qual é a crítica à Flip feita pelos escritores que assumem a perspectiva apocalíptica?
A subordinação da produção literária e de sua divulgação na Flip aos interesses comerciais das grandes editoras.
A exposição exagerada dos autores e de suas obras na mídia, o que resulta na banalização da produção literária.
O alto custo do evento para os participantes, dificultando o acesso do público realmente interessado
A superficialidade dos leitores, mais interessados em ver e ouvir os escritores do que em ler suas obras.
A falta de patrocinadores para o evento, o que colocaria em risco a continuidade da Flip nos próximos anos.