Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo 2022

Desligue a criança! A desconexão digital em cinco etapas

BEATRIZ LUCAS

1. ___Com o desconfinamento, chegou ao
2. consultório da psicóloga María Guerrero um
3. novo perfil de paciente: crianças que usavam
4. muito pouco ou nada as telas e agora não há
5. maneira de que façam algo sem elas. Além do
6. hábito, María Guerrero está preocupada com as
7. consequências para a saúde física e mental.
8. “Vários estudos nos falam sobre problemas de
9. obesidade, hábitos sedentários com perda de
10. massa muscular, perda de visão... Mas também
11. pode desencadear ansiedade ou depressão e,
12. de acordo com uma experiência realizada pela
13. revista americana de pediatria, crianças que
14. estão em contato de forma habitual com
15. dispositivos móveis, tablets ou computadores
16. são mais irritáveis e mostram menos
17. capacidade de atenção, memória e
18. concentração do que aquelas que não estão”,
19. diz Guerrero, que é psicóloga do aplicativo de
20. controle parental Qustodio.
21. ___Segundo Guerrero, o cérebro de uma
22. criança “funciona por hábitos e estes demoram
23. cerca de 21 dias para se estabelecer. E a
24. tecnologia foi a única via de comunicação e
25. lazer durante mais de 100 dias”. Esta
26. especialista costuma explicar aos pais que, se
27. seu filho está mais preso do que o normal, não
28. é que ele seja esquisito, mas é algo comum: “A
29. maioria dos jogos, redes sociais e aplicativos
30. para crianças foi projetada para que o cérebro
31. secrete substâncias relacionadas ao prazer”.
32. Mas antes que o leitor se desespere e se deixe
33. levar pelo catastrofismo, a psicóloga alerta:
34. “Existe um caminho de volta, entretanto não é
35. fácil e haverá resistência à mudança”, diz esta
36. especialista em novas tecnologias.
37. Etapa 1. Calma, seus filhos certamente não
38. são viciados em telas
39. ___Manuel Bruscas, vice-presidente da área
40. de produto do Qustodio, um aplicativo de
41. controle parental usado por mais de 50.000
42. famílias na Espanha, explica que “Muitas
43. crianças notarão que lhes falta algo, as relações
44. são construídas com olhares, com empatia, com
45. relação física e isso a tela não lhes dá, então é
46. aí que devemos provocar o processo de
47. desconexão”.
48. ___Mas o fato de que as tecnologias sejam
49. usadas mais do que antes ou que crianças e
50. adolescentes relutem em largar a tela não
51. significa que sejam viciados. O psicólogo
52. Garicoitz Mendigutxia, diretor do programa
53. Suspertu, para a prevenção de dependências do
54. Projeto Hombre Navarra, esclarece que, para
55. que seja considerada uma dependência, ou
56. melhor, um “uso conflitivo das tecnologias”,
57. estas devem lhes subtrair tempo e inclusive
58. dinheiro de outras atividades da vida. “Deve
59. haver situações de isolamento social, afetando
60. sua dinâmica de vida ―por exemplo, que a
61. família não possa sair para jantar porque o filho
62. prefere ficar conectado―, só se relacionam com
63. as redes ou têm problemas e conflitos
64. familiares ou porque ficam conectados a noite
65. toda e isso afeta o desempenho escolar”,
66. explica o psicólogo. Se não for esse o caso, o
67. plano de ação funcionará mais facilmente.
68. Etapa 2. Fale com as crianças e defina os
69. limites para a desconexão progressiva
70. ___Educadores, psicólogos e especialistas
71. em dependência concordam que esses hábitos
72. saudáveis devem começar quando as crianças
73. passam a ter acesso às telas: é preciso sentar
74. para conversar com elas e estabelecer os
75. limites de uso, tempos, horários e espaços.
76. María Guerrero acredita que é preciso recorrer a
77. argumentos científicos e explicar-lhes que as
78. telas podem prejudicar a saúde. Os
79. especialistas em visão alertaram para um
80. agravamento da saúde visual em grande escala
81. durante o confinamento e a Fundação Pau Gasol
82. afirma que a Espanha é a líder europeia em
83. obesidade infantil. O excesso de telas gera
84. estresse, irritabilidade, isolamento e
85. depressão... E ressalta: “Proibir é inútil, porque
86. terão de usar a Internet para estudar, manter
87. contato com os colegas... E, quando proibimos
88. totalmente algo, impedimos que nossos filhos
89. aprendam a estabelecer uma relação saudável e
90. isso gera problemas mais graves a longo prazo,
91. porque acaba se tornando um objeto de grande
92. desejo”.
93. Etapa 3. Aqui sim, agora sim
94. ___Os especialistas também propõem que os
95. espaços e os momentos sejam limitados: “O
96. celular ou o tablet deve ser usado em um
97. espaço comum da casa, não deve ser usado
98. enquanto estivermos com a família nas
99. refeições e tampouco deixá-los sozinhos na
100. Internet. Devemos estar ao lado deles,
101. supervisionando-os”, apontam. Os aplicativos
102. de controle parental podem ajudar nesses
103. limites: se o dispositivo for desligado, eles não
104. culpam os pais e, além disso, as famílias podem
105. monitorar o que os filhos veem e conversar com
106. eles sobre isso.
107. ___Também recomendam estabelecer
108. tempos máximos de uso, dependendo da idade.
109. Embora Bruscas ressalte que não se trata tanto
110. do tempo, mas da qualidade do que veem na
111. rede. “Se seu filho é fã de piano ou de
112. programação e passa horas assistindo a
113. tutoriais online, na realidade está cultivando um
114. hobby”, diz.
115. Etapa 4. Seja seu modelo
116. ___“Somos o que nossos pais nos ensinaram
117. quando tentavam não nos ensinar nada”. Esta
118. frase do filósofo e escritor Umberto Eco é uma
119. das favoritas do educador Francisco Castaño
120. para explicar às famílias que passam por seu
121. consultório a importância do que mães e pais
122. fazem nos processos educacionais. “Os menores
123. acabam fazendo o que os adultos fazem. Por
124. isso a reflexão e o plano de ação devem ser em
125. família e com o compromisso de todos, de pais
126. e mães, de preservar espaços sem tecnologia”,
127. conclui Castaño.
128. Etapa 5. Tempo juntos
129. ___Bruscas acredita que as telas nunca
130. deveriam “substituir interações ricas com outras
131. pessoas, com a família ou com amigos”. Por
132. isso propõe compartilhar esportes, passeios,
133. atividades ao ar livre, atividades domésticas,
134. fazer refeições, tarefas de limpeza, organização
135. da casa... “Fazer coisas com elas também lhe
136. dá motivo para falar e permite que você se
137. aproxime das telas e veja em que seu filho está
138. interessado, conheça isso e o questione”, diz
139. Mendigutxia, psicólogo do Projeto Hombre
140. Navarra.
141. ___O psicólogo e fundador da empresa, Joan
142. Amorós propõe “uma hora da natureza para
143. cada hora de tela”. E em que se baseia essa
144. recomendação? “Os ambientes naturais nos
145. ajudam a descongestionar a vista e a atenção
146. que você presta a um estímulo tão forte e
147. conciso quanto a tela. Oferecem estímulos
148. suaves, como o mar, as nuvens ou o pôr do sol,
149. que atraem a atenção sem que tenhamos de
150. estar concentrados e isso permite descansar a
151. mente do cansaço produzido pelas telas ou pelo
152. trabalho”.

Disponível em: https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-

07-18/desligue-a-crianca-a-desconexao-digital-em-cinco-

etapas.html?rel=mas. Acesso em 28/11/2021.

Texto adaptado.

Contém prefixo e sufixo em sua estrutura a palavra