Considere os fragmentos do conto “Natal na barca”, de Lygia Fagundes Telles, para responder à questão.
“Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu [...]”.
“[...] Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal [...]”
“[...] Fiquei sem saber o que dizer. Esbocei um gesto e em seguida, apenas para fazer alguma coisa, levantei a ponta do xale que cobria a cabeça da criança. Deixei cair o xale novamente e voltei-me para o rio. O menino estava morto. Entrelacei as mãos para dominar o tremor que me sacudiu. Estava morto. A mãe continuava a niná-lo, apertando-o contra o peito. Mas ele estava morto”.
“- Acordou o dorminhoco! E olha aí, deve estar agora sem nenhuma febre!
– Acordou?!
Ela sorriu:
- Veja...
Inclinei-me. A criança abrira os olhos – aqueles olhos que eu vira cerrados tão definitivamente. E bocejava, esfregando a mãozinha na face corada. Fiquei olhando sem conseguir falar”.
“No fim da década de 1940, a prosa de ficção brasileira passa por uma transformação radical. A exploração da linguagem, matériaprima do texto, favorece novas experiências que rompem com a estrutura tradicional da narrativa ao mesmo tempo que permitem um mergulho na mais funda intimidade do ser humano”
(ABURRE; PONTARA. Literatura brasileira: tempos, leitores e leituras. São Paulo: Moderna, 2005).
A escritora Lygia Fagundes Telles insere-se nesse contexto, integrando, portanto, a geração da prosa pós-moderna da literatura brasileira.
O estilo dessa contista é marcado por:
recriar a linguagem, colocando em evidência o homem simples, inculto, sem deixar de lado reflexões filosóficas.
tratar com bom humor e ingenuidade o cotidiano urbano, explorando a caricatura e a crítica dos costumes.
construir uma literatura focalizada no olhar feminino da realidade e na descoberta do mundo interior dos seres humanos.
privilegiar o discurso religioso, em confronto com o profano, discutindo as contradições por meio de antíteses e paradoxos.
explorar a figura feminina como protagonista de narrativas em que a mulher é vista como um ser idealizado, puro e angelical.