Considere os dois poemas abaixo, de Cecília Meireles e Ferreira Gullar:
I. Cenário
Da brenha tenebrosa aos curvos montes,
do quebrado almocafre aos anjos de ouro
que o céu sustém nos longos horizontes,
tudo me fala e entende o tesouro
arrancado a estas Minas enganosas,
com sangue sobre a espada, a cruz e o louro.
Tudo me fala e entendo: escuto as rosas
e os girassóis destes jardins, que um dia
Altas capelas contam-me divinas
fábulas. Torres, santos e cruzeiros
apontam-me altitudes e neblinas.
foram terras e areias dolorosas,
por onde o passo da ambição rugia;
por onde se arrastava, esquartejado,
o mártir sem direito de agonia.
Escuto os alicerces que o passado
tingiu de incêndio: a voz dessas ruínas
de muros de ouro em fogo evaporado.
II. Grécia pelos olhos
Não pelos ouvidos
mas pelos olhos
chega até nós, Grécia, de deuses finados
e de heróis
pelos olhos
uma vez que
à nossa frente estão as colunas
do Partenon, patinadas,
e tudo o que se vê acima delas
é o céu atual
e vazio
de Atenas
atravessado de aviões
..............................................
Recolho no chão da Acrópolis
uma mínima parte
do esqueleto de Apolo
(que ali jaz,
ao pé do Erectéion, disperso,
impossível de se distinguir
Em meio a tantos fragmentos de mármore)
Sobre esses poemas, é correto afirmar:
A sinestesia, ou relação estabelecida entre planos sensoriais diferentes (por exemplo: visão com cheiro, olfato com gosto), está presente tanto no poema de Cecília Meireles quanto no de Ferreira Gullar.
O poema de Ferreira Gullar ressalta a força das ruínas gregas de fazer emergir o passado histórico da Grécia.
Cecília Meireles encontra em elementos concretos do presente ecos de um passado que é reconstruído poeticamente.
Tanto Cecília Meireles quanto Ferreira Gullar deparam-se com vestígios históricos que acabam afastando o tempo presente e fazendo o eu-lírico conviver com vozes do passado.
No poema de Ferreira Gullar, os elementos da contemporaneidade são associados a imagens mitológicas.
Neste exercício, há dois poemas: o primeiro, de Cecília Meireles, intitulado “Cenário”, e o segundo, de Ferreira Gullar, “Grécia pelos olhos”. Ambos fazem referência a vestígios de passados históricos distintos. O poema de Cecília Meireles aborda a exploração das Minas (ao que tudo indica, Minas Gerais) e da riqueza tirada de sua terra, evocando um passado doloroso no presente. Já o poema de Ferreira Gullar volta-se à Grécia antiga, contudo, nota-se ali mais uma reflexão sobre o contraste entre as ruínas da Atenas histórica e o presente desacralizado que se impõe – como os aviões cruzando os céus de Atenas.
A alternativa correta é a letra C, pois Cecília Meireles, no poema “Cenário”, encontra nos elementos atuais (igrejas, ruínas, rosas e girassóis) marcas de um passado de escravidão e violência, que ela reconstrói poeticamente. Como se lê em versos como “Tudo me fala e entendo: escuto as rosas / e os girassóis destes jardins” e “Escuto os alicerces que o passado / tingiu de incêndio”, a poeta percebe na paisagem do presente as vozes de uma história passada, compondo uma memória dramática e forte do lugar.
Poesia lírica e a temática do passado: Muitos poetas incorporam referências históricas ou memórias coletivas em seus textos poéticos. Cecília Meireles e Ferreira Gullar, cada qual a seu modo, misturam elementos do presente com a lembrança/sugestão do passado para criar um efeito de contraste ou de continuidade histórica.
Reconstrução poética: Por meio da linguagem metafórica e da imagem poética, registra-se uma releitura, um reavivamento da história e da tradição. A evocação de tempos idos nem sempre é feita para exaltar o passado, mas para refletir criticamente sobre ele.