Conheço esse gadinho de asa! Eles vivem p’ra lá e p’ra cá, aciganados, nunca que param de mudar… Às vezes passam os bandos, arrumadinhos em quina, parece que p’ra o vento não poder esparramar… E arribam em tempos, a ver que está tudo de combinação… […] Gente vê que eles estão não aguentando de ir, mas que não é capaz de terem sossego: ficam arando de asas, parece que tem alguém com ordem, chamando, chupando os pobres, de de longe, sem folgar… P’ra mim, muitos desses hão de ir caindo mortos, por aí… Não crê que tudo é o regrado esquisito, amigo?
(João Guimarães Rosa. “Duelo”. Sagarana, 1984.)
Chico Barqueiro, personagem do conto “Duelo”, descreve um momento da paisagem sertaneja. A sua descrição parece exprimir um argumento da filosofia escolástica medieval, que procura provar racionalmente a existência de Deus, considerando
a pouca importância da migração dos pássaros e do espetáculo do universo, face à imortalidade divina.
a ação de um poder recôndito, por detrás da aparência, revelado no movimento ordenado do mundo.
a purificação progressiva da alma humana, marcada pelo pecado, por meio da contemplação tranquila dos ciclos da natureza.
o prestígio conferido aos pássaros no período medieval, seres semelhantes aos anjos, sempre próximos do céu.
o desgoverno do mundo e a turbulência dos elementos da natureza, contrapostos à suprema serenidade da face de Deus.