UERJ 2018/1

COM O OUTRO NO CORPO, O ESPELHO PARTIDO

 

O que acontece com o sentimento de identidade de uma pessoa que se depara, diante do

espelho, com um rosto que não é seu? Como é possível manter a convicção razoavelmente estável

que nos acompanha pela vida, a respeito do nosso ser, no caso de sofrermos uma alteração radical

em nossa imagem? Perguntas como essas provocaram intenso debate a respeito da ética médica

[5]  depois do transplante de parte da face em uma mulher que teve o rosto desfigurado por seu

cachorro em Amiens, na França.

Nosso sentimento de permanência e unidade se estabelece diante do espelho, a despeito de

todas as mudanças que o corpo sofre ao longo da vida. A criança humana, em um determinado

estágio de maturação, identifica-se com sua imagem no espelho. Nesse caso, um transplante

[10]  (ainda que parcial) que altera tanto os traços fenotípicos quanto as marcas da história de vida

inscritas na face destruiria para sempre o sentimento de identidade do transplantado? Talvez não.

Ocorre que o poder do espelho – esse de vidro e aço pendurado na parede – não é tão absoluto:

o espelho que importa, para o humano, é o olhar de um outro humano. A cultura contemporânea

do narcisismo*, ao remeter as pessoas a buscar continuamente o testemunho do espelho, não

[15]  considera que o espelho do humano é, antes de mais nada, o olhar do semelhante.

É o reconhecimento do outro que nos confirma que existimos e que somos (mais ou menos) os

mesmos ao longo da vida, na medida em que as pessoas próximas continuam a nos devolver nossa

“identidade”. O rosto é a sede do olhar que reconhece e que também busca reconhecimento. É

que o rosto não se reduz à dimensão da imagem: ele é a própria presentificação de um ser humano,

[20] em sua singularidade irrecusável. Além disso, dentre todas as partes do corpo, o rosto é a que faz

apelo ao outro. A parte que se comunica, expressa amor ou ódio e, sobretudo, demanda amor.

A literatura pode nos ajudar a amenizar o drama da paciente francesa. O personagem Robinson

Crusoé do livro Sexta-feira ou os limbos do Pacífico, de Michel Tournier, perde a noção de sua

identidade e enlouquece, na falta do olhar de um semelhante que lhe confirme que ele é um

[25]  ser humano. No início do romance, o náufrago solitário tenta fazer da natureza seu espelho. Faz

do estranho, familiar, trabalhando para “civilizar” a ilha e representando diante de si mesmo o

papel de senhor sem escravos, mestre sem discípulos. Mas depois de algum tempo o isolamento

degrada sua humanidade.

A paciente francesa, que agradeceu aos médicos a recomposição de uma face humana, ainda que

[30]  não seja a “sua”, vai agora depender de um esforço de tolerância e generosidade por parte dos

que lhe são próximos. Parentes e amigos terão de superar o desconforto de olhar para ela e não

encontrar a mesma de antes. Diante de um rosto outro, deverão ainda assim confirmar que ela

continua sendo ela. E amar a mulher estranha a si mesma que renasceu daquela operação.

MARIA RITA KEHL

Adaptado de folha.uol.com.br, 11/12/2005.

É que o rosto não se reduz à dimensão da imagem: ele é a própria presentificação de um ser humano, em sua singularidade irrecusável. (l. 18-20)

Em relação à declaração feita antes dos dois-pontos, o trecho sublinhado possui valor de:

a

condição

b

conclusão

c

explicação

d

comparação

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Resposta
C
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