INSPER Manhã 2011/2

CAPÍTULO LXX / D. PLÁCIDA

 

VOLTEMOS à casinha. Não serias capaz de lá entrar hoje, curioso leitor; envelheceu, enegreceu, apodreceu, e o proprietário deitou-a abaixo para substituí-la por outra, três vezes maior, mas juro-te que muito menor que a primeira. O mundo era estreito para Alexandre; um desvão de telhado é o infinito para as andorinhas.

Vê agora a neutralidade deste globo, que nos leva, através dos espaços, como uma lancha de náufragos, que vai dar à costa: dorme hoje um casal de virtudes no mesmo espaço de chão que sofreu um casal de pecados. Amanhã pode lá dormir um eclesiástico, depois um assassino, depois um ferreiro, depois um poeta, e todos abençoarão esse canto de terra, que lhes deu algumas ilusões.

Virgília fez daquilo um brinco; designou as alfaias mais idôneas, e dispô-las com a intuição estética da mulher elegante; eu levei para lá alguns livros, e tudo ficou sob a guarda de D.Plácida, suposta, e, a certos respeitos, verdadeira dona da casa.

Custou-lhe muito a aceitar a casa; farejara a intenção e doía-lhe o ofício; mas afinal cedeu. Creio que chorava, a princípio: tinha nojo de si mesma. Ao menos, é certo que não levantou os olhos para mim durante os primeiros dous meses; falava-me com eles baixos, séria, carrancuda, às vezes triste. Eu queria angariá-la, e não me dava por ofendido, tratava-a com carinho e respeito; forcejava por obter-lhe a benevolência, depois a confiança. Quando obtive a confiança, imaginei uma história patética dos meus amores com Virgília, um caso anterior ao casamento, a resistência do pai, a dureza do marido, e não sei que outros toques de novela. D. Plácida não rejeitou uma só página da novela; aceitou-as todas. Era uma necessidade da consciência. Ao cabo de seis meses, quem nos visse juntos diria que D. Plácida era minha sogra.

Não fui ingrato; fiz-lhe um pecúlio de cinco contos, - os cinco contos achados em Botafogo, como um pão para a velhice. D. Plácida agradeceu-me com lágrimas nos olhos, e nunca mais deixou de rezar por mim, todas as noites, diante de uma imagem da Virgem, que tinha no quarto. Foi assim que lhe acabou o nojo.

(ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas.)

Das afirmativas abaixo, a única que NÃO PODE ser confirmada pela leitura do texto é:

a

Ao descrever a casinha, no primeiro parágrafo, o narrador tece divagações filosóficas para sobre a relatividade dos fatos.

b

Recorrendo ao seu conhecido cinismo, o narrador, ao final do capítulo, reconhece que “comprou” os escrúpulos morais de D. Plácida.

c

A tristeza de D. Plácida, mencionada pelo narrador, decorria do fato de ela ter consciência de que ela colaborava com o adultério de Virgília.

d

Ao afirmar que D. Plácida “não rejeitou uma só página da novela”, o narrador revela que ela fingiu acreditar nas histórias que ele lhe contou.

e

Em “quem nos visse juntos diria que D. Plácida era minha sogra”, o narrador demonstra que passou a cultivar sincero afeto pela mulher.

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